26 fev 19
“Neblina cerebral e glúten: quando a alimentação afeta a meteorologia do cérebro!

A “neblina cerebral” (do inglês “brain fog”) é um dos sintomas mais comuns relacionados à DOENÇA CELÍACA e SENSIBILIDADE ao GLÚTEN NÃO-CELÍACA. Este não é um termo de origem médica, e sim a descrição de sintomas criada pelos próprios pacientes. A neblina cerebral é descrita por sintomas como confusão mental, falta de clareza ou foco visuais, e esquecimento. E não é uma alteração relacionada exclusivamente ao glúten, e pode estar presente em pessoas com insônia, distúrbios neurológicos, estresse, estágios iniciais de demência, diabetes e efeitos colaterais de medicamentos.

Vários instrumentos e métodos para avaliar a capacidade de concentração, atenção, orientação, memórias recente e tardia, capacidade de aprender e trabalhar com uma nova informação, velocidade de processamento, linguagem e funções práticas, mostraram que estas habilidades estavam comprometidas em pacientes com problemas relacionados ao glúten e com diagnóstico de neblina cerebral. Mas que melhoraram conforme os resultados das biópsias e exames laboratoriais relacionados a doença celíaca e dieta sem glúten também apresentavam melhora.

Há um estudo australiano mostrando que a função cognitiva de celíacos recém diagnosticados aumentava paralelamente a cicatrização intestinal. Concluiu-se que níveis subótimos de cognição em pacientes celíacos sem tratamento poderiam afetar a realização de atividades diárias. Antes de introduzir a dieta sem glúten, é como se estes pacientes tivessem ingerido algumas poucas doses de álcool ou sob efeito de um Jet Lag (alterações causadas por voos longos e grandes alterações de fuso horários). Isto significa que estes pacientes poderiam correr sérios riscos em atividades profissionais e ao dirigir automóveis.

Um estudo sueco foi mais além e mostrou notas discretamente inferiores em alunos universitários celíacos previamente ao seu diagnóstico quando se comparou a alunos sem a doença e com a mesma idade. Isto demonstra o enorme prejuízo que a doença causa quando é banalizada e não diagnosticada, já que pode culminar com a perda de oportunidades por menor desempenho. Felizmente este quadro se reverte na grande maioria dos pacientes após a introdução rigorosa da dieta sem glúten, geralmente após 6 a 12 meses.

E como o glúten causa a neblina cerebral? Quando há uma resposta auto-imune ao glúten há um aumento da liberação de mediadores inflamatórios que podem interferir na barreira cérebro-sanguínea, causando danos à função cerebral. Outra explicação seriam as deficiências de vitaminas e minerais associadas à doença celíaca e outros distúrbios de má-absorção nutricional, que podem causar déficits neurológicos. E por último, mas não menos importante, as alterações no eixo intestino-cérebro e microbiota intestinal. A flora intestinal interage diretamente com a nossa alimentação e aspectos emocionais/neurológicos, e poderia ter relação com a neblina cerebral.
Mais uma vez conclui-se que devemos estar atentos a todos os sintomas que se relacionam com a doença celíaca e sensibilidade ao glúten, visto que manifestações diversas, como as neurológicas, podem nos ajudar no diagnóstico, prevenindo complicações mais sérias e melhorando muito a qualidade de vida destas pessoas.

A “neblina cerebral” (do inglês “brain fog”) é um dos sintomas mais comuns relacionados à DOENÇA CELÍACA e SENSIBILIDADE ao GLÚTEN NÃO-CELÍACA. Este não é um termo de origem médica, e sim a descrição de sintomas criada pelos próprios pacientes. A neblina cerebral é descrita por sintomas como confusão mental, falta de clareza ou foco […]
21 fev 19

A DOENÇA CELÍACA é uma alteração genética, que acomete de 1 a 3% da população. E se ela é uma doença genética, é muito justo que PAIS CELÍACOS se preocupem com o risco dos seus filhos desenvolverem a doença celíaca. Ninguém quer deixar como herança uma doença insidiosa, que traz distúrbios nutricionais e sintomas digestivos limitantes, além de uma série de doenças autoimunes correlacionadas! No entanto, sabemos que 30% da população geral têm algum gene positivo para o desenvolvimento da doença, mas que em somente 3 a 4% deste grupo isto realmente ocorrerá. Claramente há um fator ambiental, um gatilho, mas que ainda não entendemos bem!

E será que este gatilho tem relação com o modo com que introduzimos ou não o GLÚTEN na alimentação das crianças? Esta é uma preocupação de médicos e pais, e por isso alguns grupos de estudo e sociedades médicas têm se dedicado ao tema. Os questionamentos mais importantes são:

1- amamentar ou não reduz o risco da doença?

2- estar amamentando no momento da inclusão do glúten na dieta faz diferença?

3- o momento de introduzir o glúten na dieta muda algo? Três, quatro, seis, doze meses?

4- a quantidade de glúten tem importância?

5- o tipo de glúten (cereal) tem relevância?

A resposta é: NENHUMA destas medidas ou fatores se mostrou relevante para o desenvolvimento ou não da doença celíaca!

A única questão é que quando se estudam crianças com alto risco para a doença celíaca, a introdução do glúten na dieta aos seis meses de vida em vez de 12 meses antecipa o surgimento dos sintomas. E mais recentemente um estudo mostrou a associação de ingestão de glúten durante os primeiros 5 anos de vida com incidência de risco aumentado para autoimunidade celíaca e para doença celíaca em crianças com predisposição genética positiva (HLA DQ2 / DQ8 / DQ7). 

Ainda não há qualquer recomendação formal sobre a introdução do glúten em crianças com parentes de primeiro grau celíacos. Mas há uma óbvia preocupação especialmente com este grupo.

Mas lembro, o glúten é uma causa necessária para que a doença celíaca exista, e portanto é importante que se continue estudando a relação desta proteína com possíveis fatores desencadeantes.

 

Dr. Fernando Valério
Gastroenterologista e Nutrólogo
Especializado em Doença Celíaca e Doenças Intestinais Funcionais

A DOENÇA CELÍACA é uma alteração genética, que acomete de 1 a 3% da população. E se ela é uma doença genética, é muito justo que PAIS CELÍACOS se preocupem com o risco dos seus filhos desenvolverem a doença celíaca. Ninguém quer deixar como herança uma doença insidiosa, que traz distúrbios nutricionais e sintomas digestivos […]
19 fev 19
Dr. Fernando Valério: CERTIFICAÇÃO para o diagnóstico de DOENÇA CELÍACA em CRIANÇAS! (United European Gastroenterology e The European Society for Paediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition)

CERTIFICAÇÃO para o diagnóstico de DOENÇA CELÍACA em
CRIANÇAS!
A United European Gastroenterology (UEG) é uma organização médica profissional, sem
fins lucrativos, que promove o estudo das doenças digestivas em conjunto com
especialistas e sociedades médicas de todo o Mundo.
A UEG está ligada à International Society for the Study of Celiac Disease (ISSCD),
sociedade da qual fui aceito como membro, e promove um breve CURSO on line (com
validação de conhecimento através de prova) sobre o “DIAGNÓSTICO DA DOENÇA
CELÍACA EM CRIANÇAS”. Este curso se baseia no guia de conduta da The European
Society for Paediatric Gastroenterology Hepatology and Nutrition (ESPGHAN), o mais
respeitado para o diagnóstico da doença celíaca nesta faixa etária.
O curso tem como público alvo gastropediatras e gastroenterologistas que atendam crianças. E aborda a definição da doença, etiologia, diagnóstico e sintomas, além de discutir os algoritmos de conduta para o diagnóstico de crianças com suspeita de doença celíaca.
A prova é realizada através de 24 questões divididas em temas gerais sobre a doença
(genética, laboratório, sintomas) e vários casos clínicos com casos de crianças.
Obviamente todos os médicos que se consideram especialistas já leram estes guia,
inclusive eu. Mas achei válido formalizar e comprovar o conhecimento sobre o tema e sobre este conteúdo. Isto traz mais segurança para mim no atendimento de crianças e
tranquilidade e confiança para os pais.

Dr. Fernando Valério
Gastroenterologista e Nutrólogo
Especialista em doença celíaca, distúrbios do glúten, intolerâncias e alergias alimentares, Síndrome do Intestino Irritável e Doenças Digestivas Funcionais

CERTIFICAÇÃO para o diagnóstico de DOENÇA CELÍACA em CRIANÇAS! A United European Gastroenterology (UEG) é uma organização médica profissional, sem fins lucrativos, que promove o estudo das doenças digestivas em conjunto com especialistas e sociedades médicas de todo o Mundo. A UEG está ligada à International Society for the Study of Celiac Disease (ISSCD), sociedade […]
17 fev 19

O trato digestivo abriga um número enorme de microrganismos, incluindo bactérias, fungos e vírus. Para se ter ideia da sua importância, o número de células destes microrganismos é maior que o número total de células do nosso corpo! As partes mais proximais do trato digestivo, como o estômago, duodeno e jejuno, têm uma flora mais discreta devido a ação suco gástrico ácido. Os microrganismos presentes nesta região são portanto os mais ácido-resistentes, como o Helicobacter pylori e os lactobacilos. Por outro lado, o íleo (porção mais distal do intestino delgado) e o intestino grosso têm uma quantidade muito maior destes organismos.

A flora intestinal desempenha várias funções, como formação de uma barreira contra organismos patogênicos invasores, regulação da função motora e imunológica, digestão de alimentos, produção de vitaminas, regulação da absorção e transporte de nutrientes e água pelas células do intestino, desintoxicação de substâncias agressoras e, principalmente, manter o equilíbrio geral do trato digestivo. Obviamente não podemos banalizar tantas funções! Manter a flora intestinal saudável, o que chamamos de “eubiose”, é essencial para que mantenhamos a nossa saúde.

Então podemos dizer que quanto mais bactérias tivermos em nosso intestino mais saudáveis seremos? A resposta é NÃO! Precisamos ter uma população de microrganismos no intestino de boa qualidade e nos segmentos intestinais corretos. Caso contrário, teremos uma alteração da flora chamada “disbiose”. Um exemplo muito importante de disbiose é o “Supercrescimento Bacteriano do Intestino Delgado” (SIBO – Small Intestinal Bacterial Overgrowth), que está presente em uma série de doenças e alterações.
A SIBO se caracteriza pelo crescimento anormal de bactérias no intestino delgado, região onde estas bactérias não seriam esperadas em grande número. Esta alteração está presente em pacientes com doença celíaca, síndrome do intestino irritável, doenças inflamatórias intestinais (doença de Crohn), cirurgias gástricas e intestinais, uso crônico e exagerado de medicamentos para o estômago, diabetes, intolerância à lactose, cirrose hepática, esteatose hepática não-alcoólica e pancreatite crônica.
Os sintomas decorrentes da SIBO podem advir da má absorção de nutrientes pelo trato digestivo, do aumento da permeabilidade da mucosa intestinal, dos efeitos inflamatórios causados no intestino e da ativação da imunidade intestinal. Desta forma, as queixas mais comuns são aumento de gases intestinais e flatulência, distensão e dores abdominais, diarreia, esteatorreia (gordura nas fezes) e fezes mais “pálidas”. Em relação aos aspectos nutricionais pode haver anemia (má absorção de ferro e vitamina B12), baixo crescimento em crianças e perda de peso. Os sintomas do SIBO tendem a ser crônicas, durando meses ou anos, e com flutuação na intensidade.

O diagnóstico é feito através de teste respiratório em que se analisam os gases expirados após a ingestão de lactulose. Caso a quantidade destes gases ultrapassem certos limites, isto significa que houve a fermentação exagera, o que é causado pelo excesso de bactérias no intestino.

O tratamento da SIBO consiste em usar antibióticos com o objetivo de restabelecer a flora intestinal normal, mas probióticos também são citados. Mas como a SIBO costuma ser uma consequência a outras alterações, é preciso também tratar e controlar as doenças e medicamentos que podem ter gerado o supercrescimento de bactérias. E nos casos com deficiências nutricionais, estas precisam ser tratadas.

 

Dr. Fernando Valério
Gastroenterologia e Nutrologia
Especialista em Doença Celíaca e Doenças Intestinais Funcionais

O trato digestivo abriga um número enorme de microrganismos, incluindo bactérias, fungos e vírus. Para se ter ideia da sua importância, o número de células destes microrganismos é maior que o número total de células do nosso corpo! As partes mais proximais do trato digestivo, como o estômago, duodeno e jejuno, têm uma flora mais […]
08 fev 19
Flora intestinal e a sua relação com o tratamento do câncer.

A FLORA INTESTINAL é cada vez mais um assunto importante no estudo do CÂNCER, e tem impacto na EVOLUÇÃO da doença e na RESPOSTA ao tratamento. A relação entre a flora intestinal e o câncer vai muito além do estudo das causas e riscos de desenvolvimento de tumores. Anteriormente nos lembrávamos apenas de bactérias (Helicobacter pylori) e vírus  patogênicos (hepatites B e C, HPV, HIV) como causas de tumores, já que 17 % dos cânceres têm relação com estes microrganismos. Mas sabe-se hoje que a nossa microbiota é mais do que isto e que não age apenas no intestino, mas que também modifica as resposta imunológicas dos tumores intestinais e extra-intestinais, tendo um potencial terapêutico. A microbiota intestinal influencia nas respostas aos tratamentos quimioterápicos e nas imunoterapias, já que afeta a eficácia e toxicidade destas medicações, além da resposta imunológica do próprio paciente a estas terapias.

E sempre que se fala em flora intestinal se pensa qual será a família de bactérias que resolverá a nossa questão. Não é este o caso, já que o assunto é mais complexo que isto! Nenhum único microrganismo individual foi identificado como universalmente importante para a eficácia dos tratamentos ou prevenção de efeitos colaterais. Não há uma única espécie ou cepa de bactérias que nos protegerá ou nos ajudará. O segredo está na DIVERSIDADE da flora intestinal! A manipulação da flora intestinal como forma de colaborar no tratamento do câncer envolve suplementos de microrganismos (probióticos), modificação da dieta e composição da flora intestinal, ou até mesmo um transplante de microbiota (fezes). Já se mostrou que alguns pacientes com diversidade de flora tiveram melhor resposta, e que aqueles com flora carente desta diversidade tiveram mais efeitos colaterais e maior risco de infecção. Os pacientes com baixa diversidade de flora intestinal no momento da indução quimioterápica desenvolveram mais infecções e tiveram o seu intestino colonizado por floras patogênicas durante o tratamento.

E os antibióticos? Eles são salvadores em quadros de infecções graves, mas também alteram a diversidade da flora intestinal, a eficácia do tratamento e aumentam o risco de infecções futuras. Os antibióticos alteram rapidamente a capacidade funcional da nossa microbiota, o que associado a diminuição da imunidade pós-quimioterapia também coloca o paciente em risco de infecção.
Esta assunto aqui discutido reforça mais uma vez a importância de se ter uma flora intestinal saudável, boa alimentação e que se deve usar os antibióticos com sabedoria. E especificamente no caso do câncer, que estudar a nossa microbiota pode ter um efeito benéfico no tratamento.

 

Dr. Fernando Valério

Gastroenterologia, Nutrologia e Proctologia

 

A FLORA INTESTINAL é cada vez mais um assunto importante no estudo do CÂNCER, e tem impacto na EVOLUÇÃO da doença e na RESPOSTA ao tratamento. A relação entre a flora intestinal e o câncer vai muito além do estudo das causas e riscos de desenvolvimento de tumores. Anteriormente nos lembrávamos apenas de bactérias (Helicobacter […]
06 fev 19

Diabetes mellitus é uma alteração comum em nosso meio, sendo responsável por muitos casos de cegueira, insuficiência renal grave e doenças cardiovasculares. A preocupação é que um dos tipos de diabetes, a tipo 1 (insulino-dependente), está relacionada com a doença celíaca. Sabe-se que 8 a 10% dos pacientes com diabetes mellitus tipo 1 são celíacos! A associação entre a doença celíaca e a diabetes tipo 1 já foi estabelecida há mais de 40 anos. Clínicas e médicos especializados em diabetes já fazem pesquisa para o diagnóstico de doença celíaca em portadores de diabetes tipo 1, mas infelizmente alguns outros não!

Diabetes mellitus é uma doença metabólica gerada pela deficiência ou falta de insulina, um hormônio que capacita o corpo a usar e estocar o açúcar. A glicose, o açúcar mais importante para o nosso organismo, é uma fonte nutricional indispensável para o funcionamento do nosso corpo, já que é a nossa principal fonte de energia. Mas na falta de insulina, este açúcar se mantém na circulação sanguínea, causando o que chamamos de hiperglicemia. Assim, a glicose não consegue entrar nas nossas células e desempenhar a sua função.

Como forma de preservar a glicose, um nutriente tão importante, os nossos rins filtram a glicose e a devolvem para a corrente sanguínea. Em pessoas sadias, a insulina consegue reutilizar este açúcar. Mas quando há uma sobrecarga de glicose no sangue, o rim tem dificuldade de reter este excesso, e o diabético passa a urinar a glicose, evento chamado de glicosúria. Este evento causa a produção de urina excessiva, com aumento de frequência urinária e sede. E como o corpo se ressente da disponibilização da sua fonte preferida de energia, a glicose, passa a buscar energia em outros locais, como no músculo e gordura. As consequências disto são a perda de peso, de massa muscular e aumento de apetite.

Há dois tipos principais de diabetes mellitus, o tipo 1 e o tipo 2. O tipo 1 é o insulino-dependente, conhecida como diabetes “juvenil”, que é uma doença auto-imune e que ocorre principalmente em pessoas jovens, mas que pode afetar adultos. Neste caso, o sistema imunológico ataca e destrói as células do pâncreas responsáveis pela produção de insulina. Por isso, o uso de insulina é imprescindível para estes pacientes. Este é o tipo de diabetes relacionado com a doença celíaca! No diabetes tipo 2, ou diabetes não-insulino-dependente, o que ocorre é uma resistência à insulina. Esta forma é mais comum em adultos, e se caracteriza pela ineficácia da insulina produzida. A diabetes tipo 2 não é uma doença autoimune, e é mais comum em indivíduos mais velhos e obesos. Esta forma de diabetes é tratada inicialmente com orientação alimentar e uso de medicamentos hipoglicemiantes orais.

Em pacientes que apresentam a doença celíaca e a diabetes tipo 1, em geral a diabetes é diagnosticada primeiro. A doença celíaca é diagnosticada posteriormente quando sintomas como retardo de crescimento (crianças) intolerância à lactose, gases intestinais, diarreia, perda de peso inexplicada, fadiga extrema, anemia e dificuldade em controlar a diabetes estão presentes. Mas como os sintomas digestivos podem estar presentes na diabetes, algumas vezes toda responsabilidade destas queixas recai sobre a diabetes, e a doença celíaca acaba sendo negligenciada, mesmo com sintomas presentes.

A associação entre as duas doenças é explicada pelos seguintes mecanismos: predisposição genética e auto-imunidade. Em relação ao aspecto genético, ambas as doenças têm relação com o genes HLA-DQ2 e HLA-DQ8. Mais estudos são necessários para identificar a função específica destes genes no desenvolvimento das doenças. Além da predisposição genética há também o componente auto-imune. Neste caso, o organismo produz anticorpos contra a insulina e/ou as células beta do pâncreas, que as são as responsáveis pela produção do hormônio. Estudos mostram que crianças recém-diagnosticadas para a doença celíaca têm uma prevalência significativamente maior de apresentarem estes anticorpos do que os não-celíacos. A boa notícia é que se a criança é diagnosticada para a doença celíaca precocemente e a diabetes ainda não se instalou, a dieta sem glúten causa a diminuição dos níveis de anticorpos contra a insulina e células do pâncreas.

Após o diagnóstico de ambas as doenças, a seguintes medidas devem ser tomadas:

  1. controle dos níveis séricos de açúcar (controle de glicemia)
  2. dieta sem glúten, observando a quantidade de carboidratos
  3. reconhecer e tratar as complicações de cada doença
  4. adequação de estilo de vida e comprometimento com as mudanças

Os pacientes com doença celíaca e diabetes tipo 1 não precisam apenas evitar o glúten, mas também deve haver um balanço entre as necessidades de insulina e os níveis de atividades diárias. A resposta glícêmica para muitos produtos gluten-free pode ser rápida e intensa, e isto pode afetar os níveis de insulina e estabelecer um padrão dietético. Isto ocorre porque muitos produtos gluten-free são ricos em amido e açúcares, mas pobre em fibras, quando comparamos com produtos similares com glúten (bolos, pães, cereais, bolachas). Por isso é ainda mais importante que se aprenda a ter uma alimentação sem glúten saudável e menos industrializada, o que é bem possível quando há boa orientação nutricional.

Apesar de ambas as doenças serem diagnosticadas em qualquer idade, é muito comum que este diagnóstico seja estabelecido em crianças, adolescentes e adultos jovens. Obviamente isto traz uma série de dificuldades emocionais e sociais para este grupo. Adolescentes e adultos jovens sem estas doenças já apresentam uma série de erros alimentares comuns à idade. E acrescentar duas doenças com tanto impacto na rotina alimentar gera uma enorme frustração e dificuldade de seguimento. Não é fácil ter que perguntar aos amigos “o que”, “quando” e “onde” comeremos todas as vezes que se pensa em uma atividade social, algo ainda mais impactante para esta faixa etária. Por mais difícil que seja, é preciso que se entenda que não respeitar regras alimentares necessárias culminará em pagar um preço muito caro no futuro, com diversas comorbidades associadas à doença celíaca e a diabetes. É sempre interessante pensar em acompanhamento psicológico para o paciente e sua família. A participação em grupos de apoio também traz bons resultados, tanto pelo aspecto solidário como pela troca de informações e orientação.

E quando se inicia a dieta sem glúten, o que muda? Muda muito! Com a restrição a ingestão do glúten a mucosa do intestino começará a desinflamar e a voltar ao seu funcionamento normal. Em pacientes com quadro severo de doença celíaca, a partir deste momento os carboidratos serão melhor absorvidos e poderão ser metabolizados pela insulina. Enquanto o intestino não está totalmente cicatrizado a absorção de carboidratos é variável, e é muito importante que ocorra a adequação da dose de insulina e de carboidratos ingeridos. Com o tempo os níveis de glicose no sangue se estabilizarão e o controle glicêmico se dará com mais facilidade.
Ter uma dieta sem glúten não irá curar alguém que já apresenta a diabetes tipo 1 ou reverter as suas complicações. Mas a produção de auto-anticorpos pode desaparecer e uma dieta gluten-free, e isto teria um efeito positivo em alguém com duas doenças autoimunes. Além disso, obviamente se evitaria o surgimento de outras doenças auto-imunes relacionadas à doença celíaca. Como se sabe, quem tem doença auto-imune pode ter outra!

Dr. Fernando Valério
Médico Gastroenterologista e Nutrólogo
Especialista em Doença Celíaca e Doenças Intestinais Funcionais

Diabetes mellitus é uma alteração comum em nosso meio, sendo responsável por muitos casos de cegueira, insuficiência renal grave e doenças cardiovasculares. A preocupação é que um dos tipos de diabetes, a tipo 1 (insulino-dependente), está relacionada com a doença celíaca. Sabe-se que 8 a 10% dos pacientes com diabetes mellitus tipo 1 são celíacos! A […]