O que é?
A Síndrome do Intestino Irritável (SII) é distúrbio gastrointestinal que se caracteriza-se pela presença de dor abdominal crônica e pela alteração do hábito intestinal, na ausência de qualquer causa orgânica. Esta doença afeta de 10 a 15% das pessoas em todo o Mundo. Destes pacientes, apenas 15% procuram ajuda médica, mas como o número de pessoas comprometidas pela doença é grande, a SII representa de 25 a 50% das consultas em gastroenterologistas. A dor abdominal e o desconforto intestinal experimentados pelos pacientes com SII causam a piora na qualidade de vida, e fazem com que estes pacientes procurem ajuda médica. A SII é a segunda causa de falta ao trabalho por motivos médicos, ficando atrás apenas das gripes e resfriados comuns.
A SII ocorre em idades variáveis, mas é mais frequente em adolescentes e adultos jovens. O início dos sintomas após 50 anos de idade é incomum. As mulheres são duas vezes mais afetadas do que os homens, e a associação com períodos de estresse psicossocial é evidente.
Sintomas
Os sintomas da Síndrome do Intestino Irritável são dor abdominal (cólica), distensão abdominal (gases), diarréia e constipação. A dor abdominal pode ser de média a forte intensidade, podendo se relacionar com a dieta e estresse, e localiza-se mais comumente na parte inferior do abdome. A diarréia é um sintoma comum e inconveniente, já que altera o estilo de vida (idas freqüentes ao banheiro), incontinência fecal (perda involuntária de fezes), urgência evacuatória e ansiedade. A diarréia acontece predominantemente após o despertar e após as refeições, e pode ser precedida de desconforto abdominal. A evacuação de fezes com muco pode estar presente em 50% dos casos. A constipação está associada à distensão abdominal, flatulência, dor abdominal e alteração estética. Os pacientes ainda podem referir a sensação de evacuação incompleta, mesmo quando o reto se encontra vazio. Em alguns casos há alternância dos sintomas, ou seja, em um período o paciente se queixa da diarréia, e em outro, da constipação.
Alguns outros sintomas gatrointestinais são descritos, como a dispepsia (má-digestão), o refluxo gastroesofágico, saciedade precoce e náusea. Além disso, um dos sintomas mais comumentes decritos é a presença de gases intestinais. Em relação às manifestações não-gastrointestinais, as mais comuns são a dor torácica não associada a problemas cardíacos, aumento da frequência e urgência urinárias, dor à relação sexual (mulheres), piora da função sexual e desencadeamento de sintomas de doenças reumatológicas (como a fibromialgia).
Deve-se sempre lembrar que a SII é uma doença funcional, ou seja, não há qualquer lesão anatômica associada. Desta forma, não há motivos para sangramento intestinal, febre, anorexia, anemia, desnutrição e perda de peso. Quando estes sintomas estão presentes, outras doenças devem ser pesquisadas e a ajuda médica torna-se imprescindível. Sendo assim, todos os exames complementares, como exames de sangue e endoscopias mostram resultados normais na SII.
O exame físico dos pacientes com SII mostra alterações discretas, como dor à palpação abdominal e a constatação da distensão abdominal. Nos casos com diarréia, pode haver um aumento dos ruídos intestinais.
Como ocorre a Síndrome do Intestino Irritável?
As causas da Síndrome do Intestino Irritável são desconhecidas, mas acredita-se que estejam associadas a aumento da sensibilidade intestinal e a alterações motoras do intestino. A ansiedade e o estresse psicossocial devem ser sempre lembrados, já que são eles que desencadeiam e mantém, na maior parte das vezes, os sintomas intestinais e abdominais. As alterações de sensibilidade intestinal (hipersensibilidade) caracterizam-se pelo surgimento da dor em cólica em condições em que a pressão intestinal aumenta, como na flatulência e na constipação. O que chama a atenção nos pacientes com SII é que a pressão que seria bem tolerada em uma pessoa sem a doença, causa um imenso desconforto e dor nos pacientes portadores desta enfermidade.
Quanto às alterações motoras intestinais, estas se caracterizam pelo funcionamento anormalmente rápido ou lento do intestino. Quando o funcionamento intestinal é rápido, a diarréia é o sintoma preponderante, e quando lento, é a constipação que se faz presente.
Em 10% dos pacientes, os sintomas da Síndrome do Intestino Irritável se iniciaram após um episódio de infecção intestinal bacteriana, o que se denomina SII pós-infecciosa, também conhecida como “distúrbio intestinal pós-disenteria”. Este processo é mais comum naqueles pacientes que apresentaram quadros diarréricos severos e prolongados, jovens e mulheres.
Tratamento Não Medicamentoso
O tratamento não medicamentoso é adequado para muitos pacientes, e deve ser mantido quando se opta pelo tratamento medicamentoso. Primeiramente, deve haver um bom relacionamento médico-paciente, já que a doença é crônica e se caracteriza pela presença de recidiva dos sintomas, e o paciente deve estar seguro de que está sendo bem assistido. Além disso, o paciente deve ser esclarecido sobre as razões dos seus sintomas e sobre as opções de tratamento. A alteração no estilo de vida deve ser levada em consideração, já que o estresse e a ansiedade são os fatores que desencadeiam e mantém os sintomas intestinais. Neste aspecto, a realização de exercícios físicos também tem grande valor.
O cuidado com a dieta é importante, e deve-se evitar alguns tipos de alimentos, como a cafeína em excesso, alimentos ricos em gordura, excesso de lactose (leite, queijo). No caso da lactose, 25% dos pacientes com a SII podem apresentar intolerância a esta substância, e portanto a dimuição do seu consumo pode evoluir com a melhora dos sintomas em alguns casos. Nos pacientes com constipação, deve-se estimular a dieta rica em fibras. Nos casos em que há distensão abdominal devido a gases intestinais, alimentos como feijão, lentilha, cenoura, uva-passa, damasco, brócolis, couve-flor e cebola devem ser evitados.
A utilização de suplementos de fibras é estimulada nos pacientes com SII, já que nestes casos, as fezes se tornam mais pastosas e lubrificadas, e os movimentos intestinais são mais eficientes, com conseqüente evacuação menos traumática. Quanto às opções de fibras, as solúveis são mais efetivas que as insolúveis. Alguns estudos mostram que os suplementos de fibras trazem benefícios aos pacientes com constipação, mas podem piorar os sintomas em pacientes com diarréia.
A psicoterapia é utilizada naqueles pacientes em que os fatores emocionais estão fortemente relacionados aos sintomas. Nos pacientes com diarréia e dor abdominal, a psicoterapia mostra bons resultados. Infelizmente, o mesmo não se observa nos pacientes com constipação.
Tratamento Medicamentoso
O tratamento medicamentoso da Síndrome do Intestino Irritável inclui medidas que controlem os sintomas relacionados à constipação, diarréia e dor abdominal, já que se trata de doença crônica e sem cura definitiva. Nos pacientes com constipação, o objetivo do tratamento é tornar a evacuação um evento sem traumas, o que reduziria a dor abdominal e a flatulência, e consequente distensão abdominal. Nos casos com diarréia, o objetivo é a redução da urgência evacuatória e da freqüência de evacuações.
O tratamento da constipação consiste na utilização de fibras e de aceleradores do trânsito intestinal. Nos pacientes com diarréia, utiliza-se medicamentos anti-diarréicos. Deve-se lembrar que estes medicamentos só devem ser utilizados após a realização de um diagnóstico preciso da SII e prescritos por um médico especialista.
Nos casos com cólica intestinal, o uso de medicação anti-espasmódica relaxa a musculatura intestinal, levando a diminuição do quadro doloroso. No entanto, deve-se lembrar que estes medicamentos são efetivos para a dor abdominal, mas apresentam pouco efeito em relação à diarréia e a constipação.
Alguns pacientes se beneficiam do uso de antidepressivos em baixas doses, provavelmente devido à diminuição da sensibilidade intestinal. O uso de antidepressivos traz melhores resultados para pacientes com diarréia, já que um dos efeitos colaterais dos antidepressivos é causar constipação. O uso de antidepressivos é indicado principalmente nos casos em que a dor abdominal é proeminente ou quando outras terapias falharam.
Atualmente novas medicações vêm sendo testadas, principalmente os agonistas e antagonistas da serotonina, que é uma substância estimuladora da função intestinal. No entanto, como estes medicamentos podem apresentar efeitos colaterais cardiovasculares, obstipação severa e colites isquêmicas, o seu uso ainda é muito restrito e controlado. Em relação à flatulência, alguns estudos sugeriram a utilização de antibióticos para a redução da flora intestinal, que seria a responsável pela formação dos gases. No entanto, não conseguiu se provar que ocorra um aumento desta flora em pacientes com SII, e por isso esta conduta não é adotada por mim em relação aos meus pacientes.