Nós vivemos um momento social em que a ingestão do glúten passa por diversos questionamentos e dúvidas. Na minha opinião, existe uma série de exageros, modas e mitos a este respeito, além de muitas informações divulgadas sem respaldo científico comprovado e feito por pessoas sem capacidade profissional para emitirem estes pareceres. O que traz preocupação é que algumas pessoas realmente apresentam distúrbios digestivos ligados ao glúten, e que podem ter o seu diagnóstico retardado em razão da banalização deste tema. Estas doenças podem levar de um discreto comprometimento da qualidade de vida pessoal e social até doenças e sintomas graves. São exemplos destes distúrbios intestinais ligados ao glúten a doença celíaca (intolerância ao glúten), a alergia e a sensibilidade ao glúten. O tema deste artigo é discutir as indicações dos exames e quais destes são realmente úteis para o diagnóstico da doença celíaca. Infelizmente há no mercado uma serie de exames caros e sem fundamentação médica, e sem utilidade para o diagnóstico da doença celíaca, e por isso esta acredito que esta descrição seja importante.
O glúten é uma proteína encontrada no trigo, centeio e cevada. Por isso, todos os alimentos que contenham esta proteína deverão ser evitados por pacientes com a doença celíaca. São alguns exemplos destes alimentos as bolachas, massas, sorvetes, pães, pizzas, cervejas, refrigerantes e chocolates. A doença celíaca é uma doença gastrointestinal crônica, que afeta 1% da população, e que leva a um processo inflamatório na mucosa do intestino devido a uma resposta imunológica em pessoas geneticamente susceptíveis ao glúten. Ou seja, o nosso organismo reconhece o glúten como um “agressor”, e tenta neutralizá-lo através de anticorpos que nós mesmos produzimos. O problema é que estes anticorpos também agem contra a nossa mucosa intestinal, prejudicando a integridade e funcionamento do nosso intestino. Esta resposta inflamatória exagerada pode causar uma variedade de sintomas intestinais e extra-intestinais, como a deficiência de nutrientes (vitaminas do complexo B e D, ferro, cálcio, intolerância à lactose), osteoporose, anemia, crescimento inadequado, doenças auto-imunes (hepatite, diabetes, tireoidite) e tumores (principalmente o linfoma). Esta gama de complicações que podem surgir durante a vida destes pacientes é o que justifica o esforço para que o diagnóstico seja realizado o quanto antes. Sabe-se que diagnósticos precoces são essenciais para o que se previnam estas complicações.
Como a doença celíaca pode se apresentar com sintomas discretos ou até mesmo atípicos, esta possibilidade diagnóstica às vezes não chama a atenção do médico, o que prejudica e muito as chances de um diagnóstico precoce. A falta de atenção para esta possibilidade desta doença é tão comum que o intervalo entre o começo dos sintomas e a confirmação da presença da doença celíaca é em média de 12 anos. Por isso, um grande grupo de situações impõe aos médicos a necessidade de triar estes pacientes para um possível diagnóstico da doença celíaca. São exemplos destas situações dor e distensão abdominais, flatulência e aumento de gases intestinais, diarreia crônica, anemia causada por deficiência de ferro, síndrome do intestino irritável, osteopenia e osteoporose, retardo na puberdade e crescimento, baixa estatura, vômitos recorrentes, irritabilidade, perda de apetite (anorexia), fadiga crônica, doença hepática auto-imune, doença de tireoide auto-imune, elevação de enzimas hepáticas e perda de peso inexplicada.
O diagnóstico de certeza para a doença celíaca é realização de endoscopia digestiva alta, com biópsia intestinal (duodeno). No momento do exame e da biópsia, para que o diagnóstico seja firmado com maior tranquilidade e certeza, é preciso que o paciente esteja com dieta normal em relação ao glúten, ou seja, ingerindo regularmente esta proteína. A biópsia mostra a atrofia das vilosidade intestinais e o processo inflamatório característico da doença.
No entanto, o exame endoscópico é invasivo, requer sedação, além de ter um maior custo quando se pensa em triagem de grandes grupos. Por isso, os exames sorológicos (sangue) são tão importantes. Os exames laboratoriais confirmam a presença de anticorpos que reagem à presença do glúten na nossa alimentação, e que em níveis sanguíneos elevados podem representar o diagnóstico de doença celíaca. Os mais utilizados são os anticorpos antiendomísio, antitransglutaminase tecidual (teste preferido) e antigliadina (deamidada). Mas é importante lembrar que estes exames laboratoriais são sempre usados como triagem, e que o diagnóstico definitivo será feito através de biópsia intestinal colhida em endoscopia digestiva alta.
Um outro ponto importante para se discurtir a respeito do diagnóstico de doença celíaca são os testes genéticos. Esta doença tem um enorme componente genético, e por isso parentes de primeiro grau são muito mais sujeitos a manifestar a doença. Por isso realizam-se também testes genéticos de suscetibilidade, como o exames HLA DQ2 e DQ8. Mas lembro que estes exames genéticos não mostram ou confirmam a presença da doença no momento, e sim um risco potencial. Para que se tenha uma boa ideia sobre este exame, mais de 30% da população de pele branca apresenta positividade para estes testes, mas somente 4% destas pessoas com exame positivo realmente desenvolverão a doença.
Conclui-se portanto que os exames laboratoriais são muito úteis quando há suspeita de doença celíaca, e que o diagnóstico precoce é muito importante quando se pensa em prevenir as complicações desta doença e que a biópsia intestinal é realmente o exame que confirma a doença. E uma informação muito importante! Não se começa uma dieta sem glúten até que um diagnóstico seja realmente estabelecido. Não há razão para se causar um transtorno pessoal, social e financeiro sem a confirmação de que o glúten realmente causa alguma alteração digestiva.
Dados do autor:
Dr. Fernando Valério
Gastroenterologista, Nutrólogo e Proctologista
São Paulo, SP
Consultas: particulares e Omint