Alguma vez alguém já lhe disse: “não coma muito à noite, você terá pesadelos!”? E você, já teve um quadro de diarreia ou dor de estômago após um período de grande estresse? E o termo “enfezado”, o mau humor que vem das fezes constipadas, faz sentido? Há realmente tanta intimidade assim entre o sistema nervoso e o digestivo?
SIM! Sabemos que o relacionamento entre o cérebro e o intestino é muito próximo, e o chamamos de EIXO-CÉREBRO-INTESTINAL. Esta relação nasce durante o início do nosso desenvolvimento e persiste durante toda a vida. É uma longa amizade! O eixo-cérebro-intestinal regula o equilíbrio entre estes sistemas, principalmente quanto à sensibilidade (dor) e função motora do trato digestivo. Mas quando um dos amigos sofre, o outro pode ser muito solidário!
O trato digestivo é regulado através do sistema nervoso autônomo, uma aparelho nervoso independente do cérebro, chamado de SISTEMA NERVOSO ENTÉRICO (SNE). O SNE consiste de mais de 100 milhões de neurônios, e também é conhecido como SEGUNDO CÉREBRO. Mas apesar da sua capacidade de agir de forma autônoma, geralmente isto não ocorre, já que há uma COMUNICAÇÃO contínua e bidirecional com o cérebro. São como confidentes!
Uma das maneiras de se comunicarem é através de neurotransmissores, sendo a SEROTONINA a mais destacada. A serotonina tem um papel importante no eixo-cérebro-intestinal. No cérebro, ela modula a cognição e fatores emocionais (ansiedade e depressão). Apesar de ser um neurotransmissor cerebral dos mais importantes, somente 3% da nossa serotonina se encontra no cérebro. Na verdade, 95% da totalidade desta substância é produzida no trato digestivo! No intestino, a serotonina participa do controle motor, da regulação das secreções digestivas, da integridade da mucosa intestinal e do desenvolvimento da nossa microbiota. A serotonina é um importante elo de ligação entre o nosso cérebro, intestino e flora intestinal. Esta é a explicação para que alguns antidepressivos sejam usados para o controle de sintomas digestivos, principalmente dor abdominal. Estes medicamentos estão agindo no eixo-cérebro-intestinal.
Um outros fator nesta relação de amizade é o sistema límbico, o centro cerebral das emoções. Em momentos de estresse e ansiedade, por exemplo, o sistema límbico libera substâncias que estimularão a secreção do CORTISOL, o chamado “hormônio do estresse”. O cortisol age sobre a inervação intestinal, causando aumento de sensibilidade dolorosa e alteração motora intestinal.
A microbiota intestinal também influencia a relação cérebro-intestinal. Como age no metabolismo de vários neurotransmissores, como a serotonina e dopamina, pode estimular uma parte no do nosso sistema nervoso, causando até alterações de aprendizado e de memória.
A importância da relação cérebro-intestinal também se comprova na presença de sintomas emocionais em pelo menos 50% dos pacientes que apresentam dores abdominais e alterações do ritmo intestinal em doença digestivas funcionais, como na Síndrome do Intestino Irritável. Mais ainda, sabemos que pacientes com estas alterações emocionais são mais sintomáticos e que respondem de forma mais modesta aos tratamentos. Estes achados também justificam a necessidade de atividade física, lazer e boas horas de sono no tratamento destes pacientes. O intestino funciona melhor quando o seu melhor amigo, o cérebro, também está bem.
Como visto aqui, a Neurogastroenterologia pode nos ajudar muito a compreender o funcionamento digestivo e suas doenças funcionais. Mantenham alimentação e estilo de vida saudáveis. o seu eixo-cérebro-intestinal agradecerá!
Dr. Fernando Valério
Gastroenterologista e Nutrólogo
Especialista em Doença Celíaca e glúten, alergias e intolerâncias alimentares, e doenças intestinais funcionais.
Membro da International Society for the Study of Celiac Disease
Postado por:
admin