A doença celíaca é uma doença autoimune, com bases genéticas, e que é desencadeada pela ingestão de uma proteína chamada glúten (contida no trigo, centeio e cevada). A doença celíaca compromete principalmente o intestino, causando alterações nutricionais. Mas grande parte dos pacientes é diagnosticada com doenças autoimunes relacionadas, e a dermatite herpetiforme é uma das mais importantes.
A dermatite herpetiforme é a doença celíaca da pele. As erupções cutâneas causadas por esta dermatite, assim como uma variedade de sintomas causados pela doença celíaca, são comumente mal diagnosticadas e tratadas como outras lesões de pele. Pacientes com dermatite herpetiforme comumente vêem numerosos dermatologistas sem atingir um diagnóstico preciso. São erradamente diagnosticados como vítimas de picadas de inseto, eczema, prurido, psoríase, dermatite de contato e até mesmo, dermatite “inexplicada”. Dos milhões de pacientes já diagnosticados atualmente com a doença celíaca, aproximadamente 10% podem apresentar a dermatite herpetiforme. Ao contrário da doença celíaca, os homens são afetados duas vezes mais pela dermatite, e a média de idade para o aparecimento das lesões cutâneas varia de 25 a 45 anos. A dermatite raramente afeta adolescentes e crianças pré-púberes. Este retardo para o surgimento dos sintomas sugere que deve haver um longo período de estimulação imunológica sistêmica para que a dermatite se desenvolva. Além disso, os estudos também mostram que aproximadamente 20 a 30% dos pacientes com dermatite herpetiforme tem alterações na tireoide, e muitos não apresentam sintomas digestivos (90%). Na verdade, as manifestações cutâneas (pele) não se relacionam com a severidade da lesão intestinal, e 20% dos pacientes com esta dermatite têm resultados de biópsias de intestino normais.
A dermatite herpetiforme é caracterizada por prurido (coceira) intenso e erupção de bolhas. A descrição clássica sugere que as lesões aparecem em superfícies extensoras (cotovelos e joelhos), mas na verdade elas podem surgir em qualquer local do corpo. Devido ao prurido, os pacientes coçam estas lesões até que elas se rompam e sangrem, levando a formação de escoriações. Estas lesões bolhosas tendem a surgir no mesmo local a cada crise, e são comumente espelhadas (simétricas) em ambos os lados do corpo. Outro aspecto relevante, é a diminuição da qualidade de vida, já que os episódios de dermatite herpetiforme comprometem o sono, a vida profissional e familiar, o lazer e outros aspectos psicológicos. Alguns pacientes referem que o suor durante os exercícios podem irritar as bolhas. E infelizmente as lesões cutâneas causadas pela coceira podem deixar cicatrizes na pele.
A dermatite herpetiforme será uma condição crônica e permanente até que a dieta sem glúten (gluten free) seja adotada.
Em relação ao diagnóstico, os testes sanguíneos para a doença celíaca (antiendomísio e antitransglutaminase tecidual) pode ser positivos ou negativos em pacientes com dermatite herpetiforme. Mais de 30% dos pacientes com esta dermatite não apresentarão estes anticorpos presentes no sangue, visto que eles se relacionam com a intensidade das lesões intestinais e não com as cutâneas. Por isso, o exame mais preciso para o diagnóstico de dermatite herpetiforme é a biópsia da pele normal adjacente a área de erupção da lesão, e que busca encontrar depósitos de imunoglobulina A nesta região. Quanto às biópsias de intestino, elas não são necessárias a não ser que os pacientes apresentem sintomas intestinais associados. Se alguém tem um diagnóstico de dermatite herpetiforme, este alguém tem doença celíaca! E a dieta sem glúten devem ser adotada imediatamente, não importando se o intestino possa parecer normal.
A dermatite herpetiforme, assim como na doença celíaca, exige uma predisposição genética, exposição ao glúten prolongada e uma resposta imunológica exacerbada. Em indivíduos suscetíveis, a estimulação crônica do sistema imunológico pelo glúten produz anticorpos IgA que se ligam à pele e causam a dermatite herpetiforme.
Quanto ao tratamento, ele é composto pela aderência irrestrita à dieta sem glúten e uso de medicações que aliviam os sintomas cutâneos. A droga mais usada no tratamento da dermatite herpetiforme é o Dapsone, que tem como função diminuir o processo inflamatório na pele. Mas o efeito desta medicação é parcial, e jamais exclui a necessidade de se manter a dieta sem glúten. Além disso, o dapsone é uma medicação associada a muitos efeitos colaterais, como anemia hemolítica, leucopenia (diminuição de células brancas no sangue), dores de cabeça, neuropatia periférica, lesão renal e fadiga. Cremes tópicos com corticóides também são prescritos para o alívio dos sintomas, mas não devem ser usados por muito tempo. Outros cremes imunomoduladores (tracolimus, por exemplo) também são usados.
É preciso deixar claro que nem os tratamentos medicamentos sistêmicos ou tópicos eliminam a causa das erupções. Eles simplesmente diminuem os sintomas da dermatite, mas que sempre se apresentarão com a ingestão do glúten. E como os depósitos de IgA se ligam a pele com muita intensidade, mesmo após o início da dieta sem glúten, os sintomas podem persistir por 12 a 24 meses. Por isso os medicamentos podem ser interessantes neste período após o diagnóstico da dermatite.
E os pacientes deverão ser realmente “pacientes”. Cada vez que houver a ingestão inadvertida de glúten, os sintomas podem recorrer e durar por um período de uma a duas semanas, mesmo que não ocorra a ingestão adicional de glúten neste período.
A dermatite herpetiforme é um exemplo mais do que claro da existência da doença celíaca “silenciosa”. Muitos pacientes manifestam os sintomas após os 20 a 40 anos de vida, o que mostra que o processo autoimune “trabalha” na pele por décadas de ingestão do glúten. E assim como ocorre na doença celíaca clássica, a dermatite herpetiforme também está associada a doenças autoimunes como a tireoidite, diabetes tipo 1, lupus, vitiligo e Síndrome de Jögren. Portanto, quanto mais precocemente fizermos este diagnóstico, além de tratarmos os sintomas atuais, estaremos prevenindo outras doença associadas no futuro.
Dr. Fernando Valério
Gastroenterologista e Nutrólogo
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Dr. Fernando Valério