O refluxo gastroesofágico é uma alteração gastrointestinal em que o conteúdo do estômago (suco gástrico) reflui para o esôfago. O problema é que o esôfago não possui a capacidade de suportar a agressão do líquido refluído (ácido ou alcalino) sem que ocorra algum processo inflamatório. Por esta razão, em alguns pacientes, o revestimento interno do esôfago (mucosa) tenta se adaptar, gerando a troca do tecido do esôfago pelo tecido do intestino, que é mais resistente. Este processo em que um tipo de célula é substituído por outro é chamado de metaplasia, e é consequência da agressão crônica contra um tecido. Esta adaptação celular no esôfago, chamada de metaplasia intestinal, foi descrita por um médico chamado Barrett, e por isso a lesão recebe até o hoje o seu nome (esôfago de Barrett). O interesse maior neste assunto decorre do fato de que tanto o refluxo gastroesofágico quanto o esôfago de Barrett são fatores de risco para o desenvolvimento do câncer de esôfago (adenocarcinoma de esôfago). O esôfago de Barrett não causa sintomas, mas devido à sua relação com o câncer de esôfago, considero importante discutir este tema, descrevendo os métodos atuais de acompanhamento e tratamento desta lesão.
O diagnóstico do esôfago de Barrett é realizado através da endoscopia digestiva alta, onde a lesão suspeita é submetida à biópsia, onde o diagnóstico será realmente confirmado. A extensão da lesão (metaplasia intestinal) divide o esôfago de Barrett em curto (menor que 3 cm) e longo (maior que 3 cm). O esôfago de Barrett longo geralmente se apresenta associado ao refluxo gastroesofágico mais intenso e com esofagite erosiva relacionada, enquanto o esôfago de Barrett curto pode não estar associado a sintomas de refluxo ou achados endoscópicos de esofagite. Na prática, o esôfago de Barrett curto se desenvolve em decorrência de um refluxo ácido discreto e que envolve somente a parte final do esôfago.
Os fatores de risco para que o esôfago de Barrett se desenvolva são idade maior que 50 anos, raça branca, sexo masculino (3 vezes mais frequente que no sexo feminino), início dos sintomas de refluxo em idade menor que 30 anos, hérnia de hiato, esofagite erosiva, obesidade (principalmente a gordura abdominal), tabagismo, síndrome metabólica, história familiar de esôfago de Barrett (7 a 11% dos casos), síndrome da apneia obstrutiva do sono e ingestão excessiva de alimentos processados. Quanto ao desenvolvimento do câncer esofágico em decorrência do esôfago de Barrett, não há um único fator isolado como predisponente para que o câncer se desenvolva, mas é possível afirmar que o aumento da incidência deste tumor vem acompanhado dos índices de aumento de obesidade, principalmente com aumento da cintura abdominal (obesidade central). Estatisticamente, sabe-se que o tumor que surge a partir do esôfago de Barrett ocorre anualmente em apenas 0,1 a 0,3% dos casos, sendo mais comum em homens e em lesões classificadas como longas. Por outro lado, o risco parece diminuir quando as endoscopias realizadas após o diagnóstico inicial do esôfago de Barrett não mostram a progressão da metaplasia para a displasia. A displasia se caracteriza pela alteração celular mais acentuada, tornado-se assim um risco maior para que o câncer de esôfago se desenvolva.
Quanto ao diagnóstico do esôfago de Barrett, as sociedades médicas mais importantes recomendam o rastreamento desta lesão em pessoas com refluxo gastroesofágico e que tenham pelo menos um fator de risco adicional, como idade maior que 50 anos, sexo masculino, raça branca, hérnia de hiato, índice de massa corpórea (IMC) aumentado, gordura abdominal e cintura abdominal aumentados, ou tabagismo. Se o exame não revelar a presença do esôfago de Barrett, novas endoscopias não são recomendadas com este fim. Para pacientes em que há o diagnóstico confirmado de esôfago de Barrett, estudos médicos e sociedades médicas recomendam o acompanhamento endoscópico com intervalos de 3 a 5 anos. No entanto, deve-se ressaltar que nós médicos gastroenterologistas ou cirurgiões do aparelho digestivo devemos estar atentos para alguns dados relevantes e que exigem a nossa atenção para estes casos. Sabe-se que os pacientes com esôfago de Barrett curto não apresentam sintomas que indiquem a primeira endoscopia, além do que 40% dos pacientes diagnosticados com o câncer de esôfago não apresentavam sintomas de refluxo gastroesofágico. Mais do que isso, alguns estudos mostram que apenas 10% dos pacientes com câncer de esôfago apresentavam esôfago de Barrett. De qualquer forma, o que importa é que o acompanhamento endoscópico é benéfico e deve ser realizado.
Quanto ao tratamento do esôfago de Barrett, como o maior fator agressor é o líquido refluído a partir do estômago, o tratamento do refluxo gastroesofágico deve ser recomendado, já que há relação entre a medicação para a diminuição da acidez gástrica com a menor incidência de câncer de esôfago. Um dos estudos publicados sobre o tema mostra uma redução de 75% no risco de progressão para o câncer de esôfago em portadores de esôfago de Barrett que faziam uso de bloqueadores de bomba de prótons (redutores da produção de ácido pelo estômago). No entanto, o líquido não ácido (bile e suco pancreático) também pode refluir para o esôfago, e estes não respondem aos medicamentos usados para diminuir a acidez, e portanto, nestes casos pode haver a necessidade de cirurgia antirrefluxo. Lembro que o refluxo não ácido é mais agressivo e que está associado principalmente à obesidade abdominal.
Na evolução do esôfago de Barrett para o câncer há um padrão de alteração celular intermediário chamado displasia. A displasia representa um maior risco para o desenvolvimento do câncer de esôfago do que o esôfago de Barrett, e é um dos principais motivos para o acompanhamento endoscópico discutido anteriormente. A displasia é dividida em dois graus, a de leve grau e a de alto grau. Obviamente esta última está mais associada ao câncer de esôfago e requer medida de tratamento imediata. As opções de tratamento para a displasia de alto grau são a ablação endoscópica (queimadura da lesão), mucosectomia endoscópica (retirada do tecido afetado através de endoscopia) e esofagectomia (ressecção cirúrgica do esôfago). A vantagem dos métodos endoscópicos é que os índices de complicações são menores do que na cirurgia, e a mortalidade praticamente nula. Recomenda-se, no entanto, que durante os métodos endoscópicos, todo o tecido com metaplasia (Barrett) seja tratado, e não apenas as áreas com displasia, evitando-se assim o surgimento de áreas com displasia ou de tumores malignos nas áreas de Barrett remanescentes. A displasia de baixo grau é deve ser acompanhada com endoscopia a cada 6 a 12 meses, ou com tratamento endoscópico.
Desta forma, pacientes com sintomas de refluxo gastroesofágico ou com história de esôfago de Barrett ou câncer de esôfago na família devem ser acompanhados por gastroenterologista. Este especialista indicará a melhor forma de acompanhamento e de tratamento.
Dados do autor:
Dr. Fernando Valério
Gastroenterologista, Nutrólogo e Proctologista
São Paulo, SP
Consultas: particulares e Omint
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