A obesidade é uma doença epidêmica, que atinge adultos e crianças, e que está claramente associada à deterioração da saúde. Nos casos de obesidade severa ou mórbida (grau III ou índice de massa corpórea maior que 40) e com comorbidades associadas há uma íntima relação com doenças que diminuem a qualidade de vida e a duração da vida, como a hipertensão arterial sistêmica, o diabetes, a doença cardiovascular, dislipidemias (colesterol e triglicérides), apneia do sono, doenças articulares degenerativas, câncer e alterações psicológicas. A cirurgia bariátrica é atualmente reconhecida como o procedimento de escolha para o tratamento da obesidade mórbida, o que se justifica pela redução a longo prazo das comorbidades e do peso, ao contrário do que geralmente ocorre com os tratamentos clínicos conservadores para este grau de obesidade. Há dois tipos básicos de cirurgias para o tratamento da obesidade, as restritivas e as que causam má absorção (disabsortivas). As cirurgias restritivas têm pouco efeito sobre a fisiologia digestivas e por isso as deficiências nutricionais são menos comuns com este tipo de procedimento. No entanto, as cirurgias mais comumente realizadas incorporam as duas técnicas, sendo chamadas de mistas, e parecem ser mais eficientes no controle do peso e dos distúrbios associados, como o colesterol e diabetes. É sempre importante se lembrar de que há uma serie de efeitos colaterais decorrentes da cirurgia bariátrica, e que são divididos em cirúrgicos e nutricionais. As deficiências nutricionais são mais associadas às cirurgias disabsortivas e mistas, são muito comuns, mais evidentes quando há perda de peso rápida e explicam o porquê da indicação formal de acompanhamento nutricional contínuo e permanente para estes pacientes. Neste artigo, dissertarei sobre as principais deficiências nutricionais decorrentes da cirurgia para o tratamento da obesidade mórbida e as suas consequências clínicas.
As deficiências nutricionais têm sido frequentemente relatadas nos pós-operatórios de cirurgia bariátrica e podem reduzir os benefícios à saúde obtidos com a cirurgia. Apesar de inúmeras alterações clínicas decorrentes destes distúrbios nutricionais já terem sido descritas, como a anemia, desnutrição proteica, defeitos visuais, neuropatia periférica e encefalopatia, o monitoramento sistemático dos pacientes submetidos aos procedimentos para a redução de peso não ocorrem rotineiramente na prática médica, e por isso a prevalência das consequências nutricionais ainda é muito subestimada. Mas há algo que é muito relevante sobre o tema: um grande número de pacientes com obesidade mórbida já apresenta deficiências nutricionais antes da realização da cirurgia. Ao contrário do que podemos imaginar, o paciente com obesidade tão intensa não é um super-nutrido, já que grande parte do seu aumento de peso se deve à ingestão de alimentos não saudáveis, processados, ricos em açúcares simples (refrigerantes e doces) e em gorduras, e não de uma alimentação saúdável e rica em vitaminas e minerais. Alguns estudos sugerem que 50% dos pacientes obesos mórbidos já apresentam deficiência de ferro , tiamina (vitamina B1) e vitamina C antes da cirurgia bariátrica ter sido realizada. Com isso, no período pós-operatório, as deficiências nutricionais tendem a se intensificar. Esta é uma das razões para que a avaliação nutricional pré-operatória seja feita com os mesmos cuidados que as avaliações pós-operatórias, que devem ser frequentes nos primeiros dois anos de cirurgia e anuais, nos anos seguintes.
A cirurgia bariátrica apresenta inúmeros efeitos colaterais, como vômitos, náuseas, constipação e dores abdominais, o que gera algum tipo de intolerância alimentar. A intolerância aos alimentos ricos em proteínas é comum após a realização da cirurgia bariátrica, especialmente em produtos como a carne e principalmente no primeiro ano de cirurgia. Por esta razão, muitos pacientes não conseguem ingerir a quantidade diária de proteínas recomendada, que é de 60 a 120 gramas de proteína ao dia. Desta forma, é necessária a avaliação nutricional, laboratorial e física para se estabelecer se há alguma deficiência proteica. Na maior parte das vezes, estas deficiências são corrigidas com a orientação nutricional determinada por profissional habilitado, como o Nutrólogo. Nos casos em que não se consegue alcançar o volume proteico necessário com a dieta, faz-se uso de suplementos de proteínas, mas sempre com a orientação médica, evitando-se assim desequilíbrios nutricionais.
Os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica apresentam um alto risco de desenvolverem a deficiência de ferro, tanto para a cirurgia restritiva quanto na disabsortiva. Sendo assim, o monitoramento dos níveis de ferro deve ser regular e frequente, e nos casos de deficiência, a reposição deve ser feita. Cuidados especiais devem ser dados a pacientes operadas e que apresentam ciclo menstrual, com suplementação rotineira de ferro. Em geral a reposição pode ser feita por via oral, mas nos casos em que não há sucesso com esta via, a suplementação por via venosa pode se fazer necessária. Deve ser lembrado que a aderência à reposição oral do ferro é geralmente baixa em razão da intolerância e desconforto digestivo. Além disso, os pacientes devem ser informados que a absorção de ferro pode ser bloqueada por alguns alimentos, como o chá, e promovida por outros, como a vitamina C. É importante lembrar que a anemia é a complicação de longo prazo mais comum da cirurgia bariátrica, com uma prevalência maior que 70% dos casos em alguns estudos, o que justifica o acompanhamento médico no pós-operatório por período indefinido.
A deficiência de vitamina B12 também é uma consequência comum da cirurgia bariátrica, já que há uma alteração evidente da fisiologia desta vitamina com as cirurgias bariátricas. O risco da deficiência da vitamina B12 é ainda potencializado nos pacientes que ingerem pouca carne ou produtos derivados do leite. As consequências da deficiência de vitamina B12 podem ser sérias, como o risco aumentado de neuropatia periférica irreversível se a deficiência persiste por longo período. Felizmente, o estoque de vitamina B12 é substancial, e as deficiências desta vitamina só ocorrem após um período de 1 ano da cirurgia, mas a incidência desta deficiência é de 30% entre um e nove anos da cirurgia. Por isso, o acompanhamento a longo prazo é novamente enfatizado aqui, com dosagem anual dos níveis da vitamina B12.
A deficiência de ácido fólico é incomum, mas pode estar associada aos quadros de anemia. A carência desta vitamina é mais evidente nos pacientes que não ingerem vegetais. No entanto, atenção especial deve ser dada às pacientes operadas em idade fértil, visto que a deficiência de ácido fólico pode ter associação com a má formação do tubo neural fetal. Por isso, neste último grupo é recomendado que se utilize suplementação de ácido fólico de forma rotineira.
A prevalência da deficiência de vitamina B1 (tiamina) é baixa, mas pode ter consequências sérias. A polineuropatia irreversível e a encefalopatia de Wernicke (alterações oculares, distúrbios mentais e confusão mental) foram descritas e associadas à deficiência de vitamina B1 e em pacientes com vômitos frequentes. Por isso, todos os pacientes submetidos à cirurgia bariátrica devem receber suplementos multivitamínicos contendo tiamina.
Quanto ao componente ósseo, a deficiência de cálcio e as alterações no metabolismo ósseo podem ocorrer em pacientes submetidos à cirurgia bariátrica. A absorção de cálcio é especialmente reduzida devido a diminuição da ação ácida. Além disso, é importante salientar que a perda rápida e extrema de peso é associada com a perda óssea, mesmo na presença normal de vitamina D e de hormônio paratireoideano (PTH), o que aumenta o risco de desenvolvimento de osteopenia e osteoporose. Atenção especial deve ser dada a pacientes que não ingerem leite e derivados com regularidade, e os que não seguem regularmente a suplementação de cálcio e vitamina D. Alterações na massa óssea podem ser problemáticas após 20 a 40 anos da cirurgia.
A deficiência de selênio tem sido descrita após cirurgias bariátrica, e em torno de 25% dos pacientes tem alterações laboratoriais deste mineral, mas em geral sem repercussão clínica. Quanto ao zinco, pode haver deficiência devido à redução da ingestão do mineral. A queda de cabelo é geralmente considerada uma consequência da deficiência do zinco, apesar deste sintoma também estar relacionado à deficiência de ferro e de proteína.
Em conclusão, a melhor avaliação das consequências nutricionais das cirurgias bariátricas é mandatória e necessária. O aconselhamento nutricional é muito importante não apenas no período pós-operatório imediato, mas também no pós-operatório tardio e a longo prazo. Na minha opinião, a busca pela saúde através da cirurgia bariátrica em obesos severos é válida, mas este objetivo só será alcançado se durante toda a vida pós-cirúrgica houver o equilíbrio nutricional decorrente da ingestão alimentar correta e equilibrada, além de adequação psicológica à nova dieta. Ressalto a necessidade de acompanhamento nutricional indefinido em pacientes que foram submetidos à cirurgia bariátrica.
Dados do autor:
Dr. Fernando Valério
Gastroenterologista, Nutrólogo e Proctologista
São Paulo, SP
Consultas: particulares e Omint
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