A colite isquêmica é uma das afecções que devem ser lembradas em pacientes com quadro de dor abdominal, diarréia e sangramento intestinal. A incidência desta doença é subestimada, já que há casos transitórios não diagnosticados e erros de diagnóstico, confundidos com colite infecciosa, doença inflamatória intestinal, diverticulite e câncer de intestino. De qualquer forma, a colite isquêmica é responsável por uma a cada duas mil internações hospitalares, e representa mais de 50% dos casos de isquemia do aparelho digestivo. Este tipo de colite (inflamação do intestino grosso ou cólon) ocorre em decorrência da falta de fluxo sanguíneo adequado (isquemia) às necessidades metabólicas e de oxigênio do intestino grosso. O fluxo sanguíneo pode estar insuficiente devido a problemas circulatórios sistêmicos (que afetam todos os vasos sanguíneos) ou localmente nos vasos sanguíneos intestinais. Mais de 90% dos casos ocorrem em pessoas com mais de 60 anos, mas também pode estar presente em pessoas mais jovens. Todo o intestino grosso pode ser afetado, mas os locais mais comuns são o ângulo esplênico (próximo ao baço, no quadrante superior esquerdo do abdome) e na junção do cólon sigmóide com o reto (quadrante inferior esquerdo do abdome).
Existe uma série de fatores que podem ser responsabilizados pelo desenvolvimento da colite isquêmica. Os mais comuns são (1) hipotensão e hipovolemia (diminuição do volume de sangue no corpo), relacionados a sepse, insuficiência cardíaca, desidratação, (2) trauma vascular, (3) atividade física estenuante e exagerada, (4) infarto do miocárdio, que costuma estar associado a quadros graves de colite isquêmica, (5) cirurgias de grandes vasos sanguíneos abdominais, (6) alterações de coagulação sanguínea (coagulopatias), (7) medicamentos e (8) constipação crônica.
As manifestações clínicas das colite isquêmica são o rápido surgimento de dor abdominal, tensão abdominal na região abdominal correspondente ao segmento intestinal afetado, e leve ou moderado sangramento intestinal. O sangramento não costuma ser profuso e volumoso, e por isso não causa instabilidade hemodinâmica ou requer transfusão sanguínea. De qualquer maneira, a gravidade da colite isquêmica depende se a extensão intestinal afetada pelo suprimento sanguíneo deficiente é grande ou não. Três quartos dos pacientes apresentam quadros de intensidade moderada (sem necrose intestinal), são em geral transitórios e raramente evoluem com quadro de estenose (estreitamento) intestinal ou colite segmentar. A lesão intestinal resultante da isquemia pode ser superficial e atingir a mucosa, ou evoluir para o infarto de toda a espessura da parede intestinal. A maioria dos quadros afeta o lado esquerdo do intestino, enquanto um quarto dos casos compromete o lado direito. Apesar de menos comum, a colite isquêmica do cólon (intestino grosso) direito costuma ser mais grave, e requer cirurgia em 60% dos casos (5 vezes mais comum que as colites do lado esquerdo). De maneira geral, a cirurgia para retirada do segmento intestinal inflamado é indicada em 20% dos casos.
O diagnóstico da colite isquêmica se baseia em uma grande suspeita clínica, principalmente quando há a presença de dor abdominal, diarréia e sangue nas fezes. Os exames laboratoriais podem mostrar o aumento de níveis de lactado, desidrogenase láctica, creatinoquinase (CPK) e amilase. A colonoscopia é o exame padrão ouro, já que faz a avaliação da mucosa intestinal comprometida, além de avaliar outras possíveis colites. Em alguns casos, a colonoscopia pode ser realizada sem a necessidade de preparo intestinal, evitando-se assim o risco de desidratação. A tomografia computadorizada tem o seu espaço por mostrar algumas alterações da parede intestinal, e por avaliar outras possíveis doenças abdominais.
O tratamento depende da intensidade da colite isquêmica e da sua gravidade. A maioria dos casos são transitórios e se resolvem espontaneamente. Estes pacientes não necessitam de uma terapia específica, mantendo apenas uma dieta líquida ou leve, observação e antibióticos. Os antibióticos, por sinal, são usados de forma empírica com o objetivo de evitar a passagem de bactérias que colonizam o intestino grosso pela parede intestinal doente, evento denominado translocação bacteriana. Pacientes com quadros mais graves devem ser hospitalizados. Também é importante que assim que o diagnóstico esteja estabelecido que as causas sejam identificadas. A primeira medida é cessar o uso de medicamentos que possam contribuir para o aparecimento da colite e tratar possíveis infecções. A avaliação cardiológica deve ser realizada, e em casos específicos, avaliações de doenças da coagulação também são necessárias.
A colite isquêmica é uma doença multifatorial e com apresentação clínica variável. Costuma ser confundida com outras doenças intestinais e o seu tratamento é correspondente a gravidade do quadro e da inflamação.
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Dr. Fernando ValérioColites Diarréia DOENÇAS, EXAMES e TRATAMENTOS Dr Fernando Valério Gastroenterologia Médico-Paciente