Em 1982, dois pesquisadores australianos (Marshall e Warren) descobriram que uma bactéria chamada Helicobacter pylori conseguia viver no meio ácido do estômago e causar uma série de doenças neste órgão. No período em que a bactéria foi descrita, aproximadamente 10% da população adulta apresentava úlcera de estômago ou duodeno, e inúmeras pessoas eram submetidas a tratamento cirúrgico para o tratamento de úlceras perfuradas, sangramentos digestivos e obstrução gástrica. Atualmente, sabe-se que a bactéria é responsável por mais de 90% dos casos de úlcera péptica, que tem relação com a gastrite crônica, com a atrofia gástrica e com o câncer de estômago, além de um tipo de linfoma de estômago (MALT). Por isso mesmo, as úlceras benignas de estômago e duodeno podem ser praticamente consideradas doenças infecciosas. Desta forma, a relevância do estudo sobre o Helicobacter pylori se tornou inquestionável, e as medidas de prevenção e erradicação da bactéria trouxeram enormes benefícios à população Mundial.
A infecção pelo Helicobacter pylori é muito prevalente nos Países em desenvolvimento como a Índia, Arábia Saudita e Vietnam, onde 80% da população apresenta a infecção pela bactéria com menos de 20 anos. No Brasil, acredita-se que até 60% da população pode apresentar a bactéria, principalmente nas regiões mais pobres. Em Países desenvolvidos, as taxas de infecção caem para 20 a 50% da população. Desta forma, as infecções pelo Helicobacter pylori são inversamente proporcionais às condições sócio-econômicas, principalmente na infância, que é um período de maior risco. Quanto ao modo de transmissão da bactéria, ela ocorre de duas formas: gastro-oral (contato com vômitos) e fecal-oral, ou seja, para se infectar pela bactéria é preciso ingeri-la. Desta forma, é possível entender a clara relação entre a falta de saneamento básico e o contágio. Eu costumo citar como exemplo para os meus pacientes a falta de água e o esgoto despejado nos mares durante o verão, quando as cidades litorâneas estão lotadas de visitantes. Obviamente esta falta de estrutura aumenta as chances de infecção, já que o saneamento se torna falho. Não é preciso dizer que nas regiões do Brasil sem água encanada o efeito da falta de saneamento é ainda mais desastroso.
A infecção pelo Helicobacter pylori é responsável por casos de gastrites crônicas, úlceras pépticas (estômago e duodeno) e pelo câncer de estômago. Aproximadamente 17% das pessoas infectadas pelo Helicobacter pylori apresentarão úlceras pépticas. Além disso, há uma clara relação entre a infecção e o aumento de incidência do câncer de estômago. A atrofia gástrica e a metaplasia intestinal no estômago, que são lesões precursoras do câncer gástrico, são muito mais associadas à infecção pelo Helicobacter pylori do que em indivíduos não infectados.
O diagnóstico da infecção pelo Helicobacter pylori pode ser feito através de métodos invasivos e não-invasivos. Os exames invasivos incluem a endoscopia digestiva alta com bióspia gástrica, teste da urease e cultura do material biopsiado. Os métodos não invasivos são representados pela sorologia (exame de sangue), teste respiratório e pequisa de antígeno nas fezes. O teste respiratório é interessante porque tem alto índice de sensibilidade e pode ser usado para a detecção de infecção inicial ou para controle do tratamento. A pesquisa de antígeno das fezes também é interessante, e tem como principal utilização a avaliação da resposta ao tratamento em crianças. Por outro lado, pacientes com sinais de alarme, como anemia, sangramento gastrointestinal e perda de peso, assim como em pacientes com idade maior que 50 anos, a endoscopia deve ser realizada. Quando a endoscopia é indicada, o teste de escolha para o diagnóstico é o teste da urease com espécime retirado em biópsia. O teste da urease permite a detecção rápida e barata da infecção pelo Helicobacter pylori. A cultura da bactéria não é indicada em casos de diagnóstico inicial de infecção, mas deve ser lembrada em casos em que os esquemas de tratamento já falharam em duas oportunidades. Deve-se lembrar que antes de se realizar as pesquisas diagnósticas os pacientes não devem estar fazendo uso de medicação que diminua a secreção ácida do estômago ou de antibióticos, já que isto diminui muito a sensibilidade dos exames descritos, gerando um grande número de resultados falso-negativos.
Quanto ao tratamento, o objetivo principal é a completa erradicação da bactéria do organismo. Quando isto é alcançado, os índices de reinfecção são muito baixos, o que mostra uma boa durabilidade do tratamento a longo prazo. Os regimes prescritos de medicação são eficazes em mais de 80% dos casos, com efeitos colaterais mínimos e com baixa indução de resistência bacteriana. Para o tratamento eficaz, é necessário utilizar medicamentos que diminuam a acidez do estômago e antibióticos, e são usados por 7 a 14 dias. Quanto à falha no tratamento, as principais causas são a resistência bacteriana aos medicamentos e o uso de maneira irregular e desregrada dos medicamentos por parte dos pacientes, sendo a principal causa do abandono do tratamento a presença de efeitos colaterais.
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Dr. Fernando ValérioCâncer de Estômago DOENÇAS, EXAMES e TRATAMENTOS Dr Fernando Valério Gastrite e Helicobacter Pylori Gastroenterologia Médico-Paciente Úlcera de Estômago e Duodeno (Péptica)