O guerreiro, a UTI e "o sapinho".

O guerreiro, a UTI e “o sapinho”.


No último dia 07 de novembro de 2009, às 5 horas da manhã, recebi em minha residência uma ligação urgente. Quem falava era um tio meu extremamente assustado com a seguinte notícia: “o Bruno está com polirradiculoneurite e precisa ser transferido para São Paulo com muita urgência”. Para situá-los em relação aos personagens desta história, saibam que meu Tio se chama Jarbas, é casado com a irmã da minha Mãe, e assim como o Bruno, mora em Santa Catarina. O Bruno, como se percebe, além de meu primo-irmão, é meu afilhado de batismo, tem 31 anos, e posso lhes garantir é um menino maravilhoso. Quanto a doença em questão, a polirradiculoneurite (também conhecida como Síndrome de Guillain-Barré), é uma doença autoimune que produz anticorpos que causam uma grande inflamação dos nervos periféricos, com consequente fraqueza muscular e perda de força. Pois bem, este artigo fará um relato sobre os acontecimentos destes dias que se passaram e de algums lições que aprendemos neste difícil período.

No caso do Bruno a polirradiculoneurite foi aguda e extremamente agressiva, tanto que ele perdeu quase que totalmente a força muscular dos membros (braços e pernas) e principalmente dos músculos respiratórios. Isto ocasionou um dos maiores sofrimentos já passados por ele, já que como ele evoluiu para uma insuficiência respiratória intensa, precisou de auxílio de ventilação mecânica e de um tubo traqueal. Teve que ser internado na UTI imóvel e respirando através de uma máquina. Como a equipe médica precisa avaliar as respostas dele ao tratamento efetuado, ele passou grande parte deste processo acordado. O Bruno é uma pessoa gentil e bondosa, discreto em seu comportamento, mas incisivo em suas posições. Mas uma coisa vale a pena ser ressaltada em relação as atitudes dele: ele jamais foi deselagente com qualquer familiar, médico ou funcionário do Hospital, mesmo com um nível máximo de estresse. É o que os antigos chamam de pessoa distinta, e que infelizmente não se encontra em qualquer esquina. Saibam que ele tem experiência quando se pensa em doenças graves, já que há alguns anos ele venceu um linfoma, que é um câncer do sistema linfático. Eu sinceramente não sei lhes dizer como ele suportou tamanha angústia, já que eu mesmo me sentia extremamente nauseado e fragilizado quando o visitava no Hospital, e lembrem-se que eu sou cirurgião e habituado a ver pacientes e casos graves. Eu acredito que jamais esquecerei o olhar expressivo que ele fazia enquanto não tinha como se comunicar conosco. Durante os quatro primeiros dias de evolução aqueles olhos arregalados diziam tudo, ele estava com muito medo de morrer.

Mas isto felizmente não aconteceu, e pelo contrário, desde o quinto dia ele vem tendo uma recuperação muito rápida, com melhora gradual da força. Hoje, por sinal, ele se livrou do tubo que o ajudava a respirar, e agora poderá falar e interagir da melhor maneira possível.  Este parágrafo é uma excelente oportunidade para agradecer ao meu colega de Faculdade, Dr. Alexandre Kaup, neurologista que acompanhou o caso do Bruno a meu pedido. O Dr. Alexandre foi muito paciente com as nossas dúvidas, angústias, medos, frustrações, euforias. Acompanhou o Bruno com carinho ímpar, ficou sempre a nossa disposição, e esteve sempre presente e ao nosso lado durante este processo. Ver o Dr. Alexandre Kaup cuidar do meu primo me fez ter orgulho de ter um amigo como ele e de ser médico. Nós seremos eternamente gratos a ele.

Como se vê, o Bruno tinha muita dificuldade de comunicação, e não conseguia se fazer entender e muito menos solicitar qualquer coisa a Família ou aos membros da UTI. Ele não conseguia falar ou apertar a campainha. No entanto, ele começou a sua recuperação mexendo os pés de um lado para o outro, e isto foi resultou em algo muito interessante. Para resolver a dificuldade em chamar a atenção para ele, o meu Tio comprou um chocalho em forma de sapo (conhecido hoje como “o sapinho”), enfaixou-o ao pé do Bruno, que passou a interagir de forma mais ativa. Este inocente brinquedo foi muito útil e nos deu algumas lições. A primeira delas é que o ser humano tem uma capacidade enorme de se adaptar e ser criativo. A segunda, é que em momentos como este, um simples balançar de pés pode ser a única coisa que temos, e nos ensina a valorizar as pequenas coisas da vida. Quanto ao “sapinho”, ele está guardado em meu consultório e representará eternamente a força de vontade de viver de um jovem, e eu serei olharei para este brinquedo com imenso carinho, porque ele será um grande motivador nos momentos difíceis.

Nos próximos dias o Bruno deixará o Hospital, recuperará os movimentos, voltará à sua vida normal, será capaz de abraçar as pessoas queridas, mas as cicatrizes destas semanas nos acompanharão. Talvez com muito menos dor, mas sempre nos relembrando dos ensinamentos de paciência e força que o Bruno nos deu. Se um Padrinho deve ser um bom exemplo ao seu afilhado, aqui com certeza os papéis foram invertidos. Eu fui ensinado duas vezes pelo Bruno, e tenho um imenso prazer de poder dizer que sou o Padrinho dele.

Bruninho, você foi forte e respeitável demais, e este artigo é uma homenagem pública que faço a você.

Postado por:

Dr. Fernando Valério