Falta humanidade nos Hospitais Particulares.

Cada vez mais eu tenho a certeza de que o maior culpado pelo atendimento precário prestado por alguns Hospitais, mesmo os particulares, é o desinteresse pelo ser humano. Desde a época em que freqüentava o Hospital Brigadeiro (Hospital do SUS) na qualidade de orientador da Residência Médica do Hospital Sírio Libanês, percebia que quando havia envolvimento e vontade por parte dos profissionais da saúde em driblar as dificuldades impostas pelo sistema, bons resultados podiam ser atingidos. Neste artigo vou exemplificar o outro lado da moeda, ou seja, como alguns Hospitais Particulares e médicos estão a mercê dos Convênios de Saúde, e como estes médicos se dedicam pouco à resolução dos problemas dos seus pacientes.

Na semana passada atendi em meu consultório uma moça que há 5 meses vinha apresentando dor abdominal, dor nas costas, perda de peso e uma evidente dificuldade para andar. Ela me procurou após uma peregrinação pelos médicos do Convênio de Saúde da qual ela é segurada, e ainda não tinha conseguido um diagnóstico preciso para o seu caso. Segundo ela me contou, há alguns meses um dos médicos que a atendeu solicitou uma Tomografia Computadorizada de abdome, e apesar de estar em dia com o pagamento do Convênio, a solicitação deste exame foi negada, já que um “médico” auditor do Convênio, que nunca viu a paciente, achou que ela não necessitava realizá-lo. Além disso, um dos exames de sangue estava alterado, mas um outro médico que a viu lhe disse: “só está um pouquinho alterado, não tem problema”. Chama muito a minha atenção um médico pedir um exame, saber que ele é necessário, e não se envolver para que ele seja realizado, deixando que um outro médico decida por ele se a indicação do exame está correta. Também é preocupante saber que um médico pediu um exame de sangue, e que simplesmente não sabe interpretar o resultado.

Durante a minha consulta percebi que ela apresentava algum problema grave, que havia o comprometimento de certa região da coluna vertebral, levando-me a solicitar uma Tomografia Computadorizada. Neste momento, entrei um contato com um amigo radiologista, descrevi o caso em detalhes, e solicitei que ele realizasse o exame pessoalmente e que em seguida me retornasse passando a sua impressão. Assim que a paciente acabou o exame este amigo me ligou relatando o seguinte laudo: “a sua paciente está com dois discos intervetebrais destruídos, com duas vértebras corroídas, com uma fratura vertebral, com compressão da medula espinhal, com abscessos perivertebrais e aumento do fígado, com todas as lesões podendo estar associadas à tuberculose. Bem, este era o exame que um estúpido que se diz médico achou que era desnecessário, e que o médico que pediu não teve a personalidade ou vontade para exigir que fosse realizado. Quanto o exame de sangue “um pouquinho alterado”, tratava-se de uma hepatite trans-infecciosa.

Ainda tentando ajudar esta moça, entrei em contato com o Hospital a que ela tinha o direito de se internar (e que eu não fazia parte do Corpo Clínico), com o objetivo de discutir com a diretoria deste Hospital a melhor maneira tratá-la e para solicitar a formação de uma boa equipe médica para atendê-la, já que se tratava de um caso complexo, e que necessitaria de profissionais experientes. No primeiro dia não recebi retorno de nenhum diretor deste Hospital, mas segundo consta, um plantonista ficou de entrar em contato comigo, mas não o fez. No segundo dia, consegui falar com o Diretor, mas após relatar todo o caso da paciente, ele me pediu para que a orientasse a marcar consulta no ambulatório, como se fosse um caso banal, mas disse que me ligaria em minutos. Nunca ligou. Com certeza ele estava mais preocupado em não gerar custo ao Convênio Médico, que eu soube depois, era proprietário do Hospital em questão. Conclusão: até hoje esta paciente não conseguiu se internar de forma decente, e corre o risco de a qualquer momento ficar paraplégica.

Este é o estado de calamidade em que vivemos, onde os Hospitais são impessoais, os seus administradores desumanos, e que trabalham a favor do seu cliente preferido, o Convênio. Por outro lado, alguns médicos são conformados e acomodados com esta situação, não lutando por algo que juraram, que é lutar pelo bem estar do seus pacientes a qualquer custo. Como se viu, assim que eu e o meu amigo radiologista tivemos a vontade de ajudá-la, o seu caso ganhou um diagnóstico e um encaminhamento, apesar de tortuoso quando se precisou do Hospital, o escravo do Convênio. Torço para que as leis deste País, os Conselhos de Medicina e as Sociedades não-governamentais tenham força para acabar com esta desumanidade que assola o atendimento médico por parte de Hospitais Particulares e médicos desinteressados, e que a cura dos pacientes volte a ser o objetivo diário da profissão médica.

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