Na semana passada, ao comentar sobre os anos em que atuei em um Hospital Público em São Paulo, sem qualquer tipo de remuneração ou benefício, ouvi de um médico a seguinte frase: “qual a diferença em se ter vínculo empregatício ou não, pois para mim não muda nada”. Muda tudo! Os objetivos e aspirações de quem desenvolve um trabalho filantropo são completamente diferentes daqueles dos contratados, principalmente em relação ao serviço público, em que o desgaste é imenso. A razão de discutir este tema aqui é não aceitar a banalização do meu esforço, o desrespeito aos meus ideais e a demonstração de que no nosso País ainda não se aprendeu que esperar o Governo fazer algo é viver sem qualidade.
Em 1999 tornei-me médico de um Hospital Estadual em São Paulo. Em nenhum momento recebi qualquer tipo de honorário deste Hospital, e meu único interesse era orientar os residentes de Cirurgia Digestiva. Desta forma, desenvolvia um trabalho de formação médica e de assistencialismo, já que, além de ensinar aos médicos em formação, participava de cirurgias e coordenava os ambulatórios. Logo no meu primeiro mês aumentei o número de cirurgias realizadas de 19 para 44. Ao final de 6 meses, já havia realizado mais de 300 cirurgias. Para se ter uma idéia do que são estes números, a fila de espera para marcação de cirurgias acabou. Isto mesmo, todos os pacientes foram tratados em um Hospital Público, e não havia mais espera para novos agendamentos. Deixo claro que tudo isto foi realizado apenas com esforço pessoal, dedicação e idealismo. Durante este período, apesar dos ótimos resultados, não tive apoio de qualquer membro da Diretoria do Hospital, obviamente os contratados, concursados há 30 anos, com estabilidade empregatícia e que aguardavam a aposentadoria integral. Na verdade, ouvi certa vez de um Diretor, após eu ter solicitado melhores condições de atendimento, de que os pacientes eram um grande problema. Caro funcionário (chamá-lo de médico seria uma afronta à Medicina), os pacientes não são um problema, são o nosso objetivo, são a razão de tanto estudo e o motivo de termos escolhido uma profissão tão especial. No entanto, a minha maior frustração foi saber que não deixei algum legado duradouro à esta Instuição Médica. No momento em que deixei o Hospital, após conflitos intermináveis em busca da qualidade e respeito ao ser humano, tudo voltou ao que era. É uma pena.
Fazer filantropia é mostrar-se solidário, ser um cidadão preocupado com as condições de vida das pessoas mais simples e necessitadas, utilizar o seu conhecimento em benefício da comunidade que o cerca e dar um grande exemplo de fraternidade. Se você também acredita que deve se preocupar com o sofrimento que está ao seu redor, e se empenha para amenizá-lo, deve ter entendido a minha indignação. Ao médico que ainda não aprendeu a diferença de ser voluntário ou empregado, lhe digo: ou você é muito egoísta e desumano (o que é um absurdo para um médico), ou não passa de um desinformado e despreparado para o cargo que exerce.
No Brasil, aquele que tem a audácia de fazer o bem e a caridade, deve ter a coragem para enfrentar a ingratidão, principalmente daqueles que teriam mais poder para ajudá-lo.