03 abr 19

A produção de ácidos pelo estômago está precisamente regulada para maximizar os benefícios e minimizar os prejuízos. O suco gástrico mata microrganismos ingeridos, mantém o estômago e o intestino delgado relativamente estéreis, modula a flora intestinal, ajuda na digestão das proteínas e facilita a absorção de ferro, cálcio e vitamina B12, além de melhorar a ação de alguns medicamentos que são mais ativos em ambiente ácido. No entanto, quando os níveis do ácido gástrico (clorídrico) se sobrepõe aos mecanismos de defesa na mucosa do estômago, o refluxo gastroesofágico, gastrite e úlcera péptica (estômago e duodeno) podem ocorrer.

O desenvolvimento dos “bloqueadores de bomba de prótons” (omeprazol, lansoprazol, pantoprazol, rabeprazol, esomeprazol e dexlansoprazol) revolucionou o tratamento das doenças do estômago e esôfago, como refluxo gastroesofágico, esofagite, gastrite, infecção por Helicobacter pylori  e úlcera. Esta família de medicamentos age nas células do estômago causando a diminuição da produção de ácido pelo estômago. A capacidade anti-secretória dos bloqueadores de bomba reduziram as complicações e hospitalizações causadas por estas doenças, melhorou a qualidade de vida das pessoas que apresentavam doenças pépticas e ajudou a prevenir os episódios de hemorragia digestiva associados ao uso de anti-inflamatórios. Por esta razão, este remédios se tornaram tão populares em todo o Mundo, e hoje só não são mais vendidos que remédios para gripes e resfriados.

Com o aumento exagerado do uso e da prescrição destes medicamentos surgiu a preocupação de que efeitos colaterais a longo prazo pudessem ocorrer. Embora os bloqueadores de bomba sejam medicações muito bem toleradas, alguns textos médicos e reportagens na mídia têm descrito possíveis consequência deletérias do seu uso, causando angústia e alarme entre pacientes e médicos. Há uma lista de efeitos adversos associados a estes medicamentos, incluindo alterações na flora intestinal, infecção intestinal, deficiências nutricionais, pólipos de estômago, colite microscópica, tumores digestivos malignos (câncer de estômago), doença renal crônica, disfunção cognitiva, infarto do miocárdio, super-crecimento bacteriano intestinal, pneumonia, fraturas ósseas e interação com medicamentos. Na prática, há evidências relativamente fortes associando os bloqueadores de bombas a alterações na flora intestinal, deficiência de micronutrientes (magnésio, vitamina B12, ferro e cálcio) e infecção intestinal. No entanto, a qualidade de evidências para as outras alterações é baixa e sem consistência.

Quanto ao seu modo de agir, os bloqueadores de bomba agem diretamente nas células do estômago, causando a inibição prolongada (12 a 24 horas) da secreção de ácido. Por outro lado, estes remédios permanecem na corrente sanguínea por curto período de tempo, sendo rapidamente metabolizados (em até uma 1 hora). Por isso já não são detectáveis no sangue após 5 horas. Isto explica porque não algumas alterações sistêmicas não fazem sentido do ponto de vista biológico. Por outro lado, os efeitos consequentes da diminuição da acidez pelo estômago por várias horas explicam as alterações de absorção de nutrientes e de proliferação bacteriana no trato digestivo.

Com a hipocloridria (diminuição da acidez), os microrganismos ingeridos conseguem sobreviver, alterando a flora intestinal vigente. O grau de alteração da flora intestinal associada ao uso dos bloqueadores de bomba é comparável ao induzido por antibióticos. Também é preciso levar em consideração que o suco gástrico elimina micro-organismos patogênicos que ingerimos, “esterilizando”o estômago, o que se altera quando a acidez deste órgão se torna menos intensa. Por isso, pode haver o aumento de infecção intestinal por organismos que seriam mais ácido-sensíveis, como a salmonela e vibrião colérico. Outra explicação relacionando estes medicamentos ao maior risco de infecção seriam as alterações da flora intestinal (que poderiam ter efeito protetor contra infecções oportunistas) e aumento da permeabilidade intestinal (possibilitando a passagem de toxinas e microrganismos pela parede intestinal).

O câncer de estômago também é citado como um fator de risco. Há pouco tempo um estudo realizado por médicos de Hong Kong sugeriu que o uso crônico de bloqueadores de bomba poderiam causar um aumento em até 2,4 vezes na incidência de câncer de estômago. Particularmente, ao ler este artigo com visão crítica, percebe-se uma variedade de falhas na sua metodologia, o que invalida o estudo como uma regra. Por exemplo, não se levou em consideração a história familiar de câncer de estômago, que orientais são geralmente mais suscetíveis a este tipo de tumor, antecedente de tabagismo e hábitos alimentares pregressos. Desta forma, apesar de algumas teorias a respeito do risco de se diminuir a acidez do estômago e sua relação com o câncer de estômago, além do estímulo a produção de substâncias que poderiam ter um perfil carcinogênico (a gastrina, por exemplo), na prática clínica, não é o que vemos.

Quanto ao maior risco de fraturas, embora algumas evidências possam sugerir que há a associação entre os bloqueadores de bomba com a osteoporose, a confirmação desta relação com as fraturas ósseas é fraca. A justificativa para um maior risco de fraturas ósseas seria de que a diminuição da acidez no estômago poderia diminuir a absorção de cálcio e levar a deficiência de vitamina B12. Na prática, como estas fraturas são mais comuns em idosos, acreditamos que o uso dos remédios estão associados a outros problemas clínicos, e não como uma causa real. Em relação ao maior risco de desenvolvimento de distúrbios cognitivos, doença renal crônica, infarto agudo do miocárdio e acidente vascular cerebral, as evidências são muito fracas.

Na verdade, os bloqueadores de bombas são medicamentos efetivos e bem tolerados. Apesar de um grande número de associações entre este medicamentos e alterações clínicas na mídia geral, a qualidade das evidências clínicas e científicas ligando os bloqueadores de bomba a estas alterações é muito baixa. Quando estes medicamentos são prescritos de maneira apropriada, os benefícios superam muito os possíveis riscos de efeitos adversos. O risco absoluto é extremamente baixo (1 em cada 500 pacientes), e o medo destes riscos não deveria inibir a prescrição destas medicações. No momento, benefícios já estabelecidos estão sendo ofuscados por riscos que não foram totalmente comprovados. Não há dúvida de que os bloqueadores de bomba são usados em excesso. Estima-se que 30 a 50% das prescrições podem ser inapropriadas. Por isso, quando este medicamentos são prescritos a longo prazo, eles devem ser usados na menor dose possível, mas mantendo a eficácia. E tanto o medicamento quanto a dose, devem ser reavaliados periodicamente. Usado com sabedoria e com fundamentos científicos, os bloqueadores são uma imprescindível arma para o tratamento de algumas doenças do aparelho digestivo.

 Dr. Fernando Valério

Gastroenterologista e Nutrólogo

A produção de ácidos pelo estômago está precisamente regulada para maximizar os benefícios e minimizar os prejuízos. O suco gástrico mata microrganismos ingeridos, mantém o estômago e o intestino delgado relativamente estéreis, modula a flora intestinal, ajuda na digestão das proteínas e facilita a absorção de ferro, cálcio e vitamina B12, além de melhorar a ação […]
08 fev 19
Flora intestinal e a sua relação com o tratamento do câncer.

A FLORA INTESTINAL é cada vez mais um assunto importante no estudo do CÂNCER, e tem impacto na EVOLUÇÃO da doença e na RESPOSTA ao tratamento. A relação entre a flora intestinal e o câncer vai muito além do estudo das causas e riscos de desenvolvimento de tumores. Anteriormente nos lembrávamos apenas de bactérias (Helicobacter pylori) e vírus  patogênicos (hepatites B e C, HPV, HIV) como causas de tumores, já que 17 % dos cânceres têm relação com estes microrganismos. Mas sabe-se hoje que a nossa microbiota é mais do que isto e que não age apenas no intestino, mas que também modifica as resposta imunológicas dos tumores intestinais e extra-intestinais, tendo um potencial terapêutico. A microbiota intestinal influencia nas respostas aos tratamentos quimioterápicos e nas imunoterapias, já que afeta a eficácia e toxicidade destas medicações, além da resposta imunológica do próprio paciente a estas terapias.

E sempre que se fala em flora intestinal se pensa qual será a família de bactérias que resolverá a nossa questão. Não é este o caso, já que o assunto é mais complexo que isto! Nenhum único microrganismo individual foi identificado como universalmente importante para a eficácia dos tratamentos ou prevenção de efeitos colaterais. Não há uma única espécie ou cepa de bactérias que nos protegerá ou nos ajudará. O segredo está na DIVERSIDADE da flora intestinal! A manipulação da flora intestinal como forma de colaborar no tratamento do câncer envolve suplementos de microrganismos (probióticos), modificação da dieta e composição da flora intestinal, ou até mesmo um transplante de microbiota (fezes). Já se mostrou que alguns pacientes com diversidade de flora tiveram melhor resposta, e que aqueles com flora carente desta diversidade tiveram mais efeitos colaterais e maior risco de infecção. Os pacientes com baixa diversidade de flora intestinal no momento da indução quimioterápica desenvolveram mais infecções e tiveram o seu intestino colonizado por floras patogênicas durante o tratamento.

E os antibióticos? Eles são salvadores em quadros de infecções graves, mas também alteram a diversidade da flora intestinal, a eficácia do tratamento e aumentam o risco de infecções futuras. Os antibióticos alteram rapidamente a capacidade funcional da nossa microbiota, o que associado a diminuição da imunidade pós-quimioterapia também coloca o paciente em risco de infecção.
Esta assunto aqui discutido reforça mais uma vez a importância de se ter uma flora intestinal saudável, boa alimentação e que se deve usar os antibióticos com sabedoria. E especificamente no caso do câncer, que estudar a nossa microbiota pode ter um efeito benéfico no tratamento.

 

Dr. Fernando Valério

Gastroenterologia, Nutrologia e Proctologia

 

A FLORA INTESTINAL é cada vez mais um assunto importante no estudo do CÂNCER, e tem impacto na EVOLUÇÃO da doença e na RESPOSTA ao tratamento. A relação entre a flora intestinal e o câncer vai muito além do estudo das causas e riscos de desenvolvimento de tumores. Anteriormente nos lembrávamos apenas de bactérias (Helicobacter […]
03 set 18

Pelo terceiro ano consecutivo o Dr. Fernando Valério é convidado pelo Colégio Ítaca para ministrar a palestra “Estilo de vida, alimentação e atividade física: por que se preocupar desde jovens?” para os seus alunos do 9° ano.
Como sempre o resultado foi muito positivo e abrangente. Esta é uma atividade que traz imenso orgulho e que mostra que todos somos responsáveis pelo crescimento dos nossos jovens. Poder falar diretamente com eles de maneira responsável e aberta, discutir sobre as suas escolhas e opções, fazê-los refletir em cima de dados, ponderar sobre o uso do álcool e as suas consequências, e principalmente orientá-los sobre uma vida saudável é realmente muito importante e engrandecedor.

Na palestra foram abordados temas como a alimentação saudável e suas fontes , as doenças relacionadas a um estilo de vida equivocado (diabetes, hipertensão arterial, câncer, obesidade), medidas de avaliação de composição corporal, macro (proteínas, carboidratos e gorduras) e micronutrientes (vitaminas e minerais) e a importância da atividade física.

Pelo terceiro ano consecutivo o Dr. Fernando Valério é convidado pelo Colégio Ítaca para ministrar a palestra “Estilo de vida, alimentação e atividade física: por que se preocupar desde jovens?” para os seus alunos do 9° ano. Como sempre o resultado foi muito positivo e abrangente. Esta é uma atividade que traz imenso orgulho e […]
16 ago 18

No último dia 08 de agosto, o Dr. Fernando Valério, em parceria com a Omint, ministrou a palestra “Estilo de vida e promoção da saúde” no banco americano Goldman Sachs.
A discussão foi muito proveitosa e se abordaram temas como os riscos de um estilo de vida inadequado, aspectos motivacionais e táticas de comportamento para mudanças de atitude. E obviamente, falou-se muito sobre a prática alimentar correta, sem manias ou vícios da moda.

Foi uma ótima oportunidade para se discutir com profundidade os resultados de um estilo de vida mais adequado, com mudanças na alimentação e na prática de atividades físicas. Durante a palestra discutiu-se as consequências destes erros comportamentais, como o aumento do risco de infarto agudo do miocárdio, da obesidade,  de acidente vascular cerebral, doenças demenciais, tumores malignos, alterações ósseas e articulares, e perda de massa muscular. Mas também foi possível mostrar possibilidades e táticas para uma mudança produtiva, racional, baseada em comprovações médicas e não em modismos.

No último dia 08 de agosto, o Dr. Fernando Valério, em parceria com a Omint, ministrou a palestra “Estilo de vida e promoção da saúde” no banco americano Goldman Sachs. A discussão foi muito proveitosa e se abordaram temas como os riscos de um estilo de vida inadequado, aspectos motivacionais e táticas de comportamento para […]
04 abr 17

O tratamento do câncer pode aumentar muito a demanda nutricional do nosso corpo. Por isso é muito relevante que neste período de terapia a dieta seja sempre saudável e rica em alimentos nutritivos. Os principais objetivos nutricionais durante o tratamento do câncer é manter um peso corporal compatível com a normalidade e comer alimentos adequados que possam suprir o nosso corpo com calorias e nutrientes. Desta forma conseguimos promover ao corpo energia suficiente para que a reparação, recuperação e cicatrização dos órgãos e tecidos afetados ocorram da melhor maneira possível.

Pacientes com câncer devem receber uma dieta equilibrada e medicamente comprovada, com recomendações individuais e personalizadas, e baseada em inúmeros fatores, como o tipo de câncer, o estágio da doença, o tratamento planejado e proposto, a história nutricional e de peso, resultados de avaliação de composição corporal e os valores dos exames laboratoriais. Esta é uma doença grave e com riscos óbvios, por isso não se deve perder tempo com informações e condutas não estudadas e com efeitos que não foram rigorosamente examinados. Infelizmente a parte alimentar é uma das que mais sofre com informações equivocadas, principalmente quando se pensa que alimentos “mágicos” podem resolver muitas questões e até mesmo curar o paciente. Dietas alternativas e sem o aval de estudos sérios mostram-se prejudiciais aos pacientes com câncer. Assim como toda pessoa saudável, o paciente com câncer deve comer uma dieta correta e equilibrada, que inclui frutas e vegetais, quantidades moderadas de grãos integrais, boas fontes de proteínas (carnes peixe, frango e carne vermelha magra), lacticínios com baixo teor de gordura, leguminosas (feijão, lentilha, grão de bico) e tofu, por exemplo. Ou seja, uma dieta comum, sem segredos, mas adequada e pensada para cada caso. Se houver necessidade, suplementos alimentares podem ser indicados por especialistas em nutrição, principalmente quando não se atinge o requerimento alimentar mínimo necessário com a dieta regular.

E se apesar de toda uma oferta alimentar adequada e rica em opções o paciente não conseguir comer de maneira correta durante o tratamento? Este é o grande problema que aflige pacientes, familiares e equipe de saúde quando se pensa em alimentação e pacientes com câncer. Infelizmente os efeitos colaterais decorrentes do tratamento podem comprometer os hábitos alimentares e o status nutricional. (mais…)

O tratamento do câncer pode aumentar muito a demanda nutricional do nosso corpo. Por isso é muito relevante que neste período de terapia a dieta seja sempre saudável e rica em alimentos nutritivos. Os principais objetivos nutricionais durante o tratamento do câncer é manter um peso corporal compatível com a normalidade e comer alimentos adequados […]
28 mar 17

O câncer é uma doença que se caracteriza pelo crescimento desordenado e invasivo de células do nosso corpo. Obviamente esta é uma informação técnica e fria sobre uma doença, mas que na prática traz uma série de dúvidas, angústias e sofrimento para aqueles que sofrem com a doença e de seus familiares. Como uma doença complexa e grave, com tratamentos e terapias agressivas, e com consequências físicas e emocionais enormes, pensar em todos os aspectos é muito importante.

Atendo em meu consultório pacientes com câncer e claramente percebo que um destes aspectos é algumas vezes negligenciado durante o processo de diagnóstico e tratamento. O aspecto nutricional! A razão para isto é que após o diagnóstico os pacientes são submetidos a inúmeros exames para estadiamento e acompanhamento da doença, cirurgias, quimioterapia e radioterapia, o que torna a sua vida tão intensa e atribulada, que é realmente difícil se pensar em todos os detalhes. Mas os aspectos alimentares e nutricionais não podem ser esquecidos. A má nutrição é um problema comum em pacientes com câncer e tem sido reconhecida como um efeito adverso importante da doença, já que aumenta a morbidade e mortalidade, além de causar um prejuízo à qualidade de vida. Mais do que isso, a perda de peso causada pela doença é um indicador de pior prognóstico em pacientes com câncer. Saibam que 80% dos pacientes com câncer digestivo e 60% dos pacientes com câncer de pulmão já se apresentam com perda significativa de peso (mais de 10% do peso em 6 meses) no momento do diagnóstico. Por isso, todo paciente com câncer deve ter a sua parte nutricional avaliada e estudada por um especialista capacitado em nutrição e que entenda a complexidade dos cuidados de um paciente com câncer. (mais…)

O câncer é uma doença que se caracteriza pelo crescimento desordenado e invasivo de células do nosso corpo. Obviamente esta é uma informação técnica e fria sobre uma doença, mas que na prática traz uma série de dúvidas, angústias e sofrimento para aqueles que sofrem com a doença e de seus familiares. Como uma doença […]